São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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Crítica/"Khamsa"

Filme contido mostra infância à deriva

Longa confirma Karim Dridi, o mesmo de "Bye Bye", como um dos cineastas franceses mais subestimados da atualidade

Divulgação
Cena de "Khamsa", cuja temática dialoga com "Os Incompreendidos", de François Truffaut, e "Os Esquecidos", de Luis Buñuel

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A paisagem desolada mostra um terreno baldio com o chão de terra batida e, ao fundo, um conjunto habitacional. No centro da imagem, um menino, quase adolescente, com um rosto que não é bom nem mau, bonito nem feio: Khamsa parece atônito diante do mundo em que cresce meio que de cambulhada, quase arrastado, entre parentes que o ignoram, pivetes com tendências criminais, privações de várias espécies, sexualidade meio selvagem.
Essa periferia de uma grande cidade no sul da França (Marselha, aparentemente) parece bastante com a de uma grande cidade brasileira, inclusive pela exclusão cultural que o filme registra: é quase à barbárie que são entregues essas pessoas.
Karim Dridi, o diretor de "Khamsa" (ele que fez há anos o notável "Bye Bye"), aproxima seu filme de alguns trabalhos de François Truffaut, como "Os Incompreendidos". Deve ser para que o espectador francês tenha algum apoio, algo de que aproximar o que verá. Seria possível lembrar também certos filmes neorrealistas do pós-Guerra, ou mesmo "Os Esquecidos", de Luis Buñuel.
Mas as diferenças também são marcantes: parece que não há mais lugar para a iconoclastia e o humor de Buñuel. Nem para a esperança do pós-guerra. O mundo tornou-se mais árido, como que menos habitável.
Um pouco da história: Khamsa, ou Marco, é um menino cigano de origem espanhola que foge da família adotiva com quem vive para reencontrar a avó, à morte. Vaga, depois, por esse lugar periférico: porto e deserto ao mesmo tempo, onde se inicia como trombadinha e, entre amizades e conflitos, convive com garotos de sua família e outros de origem árabe.
O interesse e a riqueza do filme derivam, em grande medida, da recusa de Dridi em se comover ou mesmo tomar ostensivamente partido desses novos "esquecidos". Trata-se antes de acompanhar um desenvolvimento inexorável em direção a... a nada, em suma, à perfeita ausência de horizontes que se desenha à frente desses meninos europeus (pois é, afinal, da Europa do euro que se está falando).
É um filme de beleza dura, enigmática e cheia de indagações como o próprio rosto de Khamsa, este, que confirma Dridi como um dos principais e mais subestimados diretores franceses contemporâneos de cinema: talvez essa vitalidade, essa busca do mundo, do lado realmente atrativo e dramático do mundo, antes mesmo das questões de linguagem, o condene a uma espécie de marginalidade um pouco parecida com aquela reservada a seus personagens.
P.S. 1: a música cigana que se ouve no filme parece enormemente com a música árabe, e também com parte da espanhola, ou com os fados portugueses. Não é coincidência.
P.S.2: o filme foi feito em cinemascope. É rezar para que, na hora da projeção (quando digital), o formato seja mantido.


KHAMSA

Diretor: Karim Dridi
Produção: França, 2008
Com: Marc Cortes, Raymond Adam
Onde: Cinesesc
Classificação: 12 anos
Avaliação: ótimo




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