São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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CINEMA

Mostra apresenta toda a obra do diretor português, no CCBB, em SP

21 filmes revelam a ironia de João César Monteiro

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A crítica já comparou o cineasta português João César Monteiro (1934-2003) a, entre outros, Charles Chaplin, Buster Keaton e Nani Moretti. A mostra integral de seus filmes, que começa hoje e vai até o dia 12 no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, propicia uma boa oportunidade para conferir até que ponto as analogias são válidas e indicam uma certa dificuldade em tratar das criações de um dos mais originais cineastas dos últimos 40 anos.
Dez das 21 obras que serão exibidas nunca estiveram no Brasil: dois longas ("Fragmentos de um Filme-Esmola" e "Que Farei Eu com Esta Espada"), o média "Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço" e sete curtas. Entre os destaques da mostra, estão os filmes da trilogia "João de Deus", espécie de alter ego do diretor interpretado por ele mesmo. São eles: "Recordações da Casa Amarela", "A Comédia de Deus" e "As Bodas de Deus".
O segundo, de 95, ganhador do Grande Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza, é o mais conhecido. Nele, o protagonista divide seu tempo entre a feitura de "gelados" para a sorveteria em que trabalha e uma coleção de pêlos pubianos, arquivados em um "Livro dos Pensamentos".
Outro ponto alto é "Branca de Neve". Em uma tela que permanece escura quase todo o tempo, ouve-se a leitura do texto homônimo do suíço Robert Walser. A obra provocou muita discussão porque fora patrocinada com dinheiro público, financiamento, segundo alguns, desperdiçado. Do ponto de vista cinematográfico, o filme também gerou controvérsia. Um crítico português, por exemplo, disse que sem dúvida preferia a "versão de Walt Disney". Ainda que a opinião seja até defensável, vale a pena ir ao cinema com o espírito desarmado: a escolha do diretor tem suas razões, e se impõem com impacto.
Como lembra Carlos Adriano, um dos curadores da mostra (ao lado de Bernardo Vorobow), "com o atual marasmo que assola a maioria das telas de cinema do mundo, achamos que boas doses concentradas de ironia e ousadia podem ser úteis para combater o conformismo -social e cinematográfico- que não só se abate sobre Portugal, como também cruza oceanos".
"Vai e Vem", finalizado poucas semanas antes da morte de Monteiro, de câncer, em 2003, ilustra bem a ironia e a ousadia mencionadas por Carlos Adriano. O protagonista não é mais João de Deus, e sim João Vuvu. Filmando-se em estado terminal, o diretor/ator revitaliza suas obsessões temáticas -o sexo, a Igreja, a política, o cinema- e técnicas. O derradeiro plano do último filme? Um longo close do olho do cineasta.


Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido".


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