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CINEMA
Mostra apresenta toda a obra do diretor português, no CCBB, em SP
21 filmes revelam a ironia de João César Monteiro
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A crítica já comparou o cineasta
português João César Monteiro
(1934-2003) a, entre outros, Charles Chaplin, Buster Keaton e Nani
Moretti. A mostra integral de seus
filmes, que começa hoje e vai até o
dia 12 no Centro Cultural Banco
do Brasil, em São Paulo, propicia
uma boa oportunidade para conferir até que ponto as analogias
são válidas e indicam uma certa
dificuldade em tratar das criações
de um dos mais originais cineastas dos últimos 40 anos.
Dez das 21 obras que serão exibidas nunca estiveram no Brasil:
dois longas ("Fragmentos de um
Filme-Esmola" e "Que Farei Eu
com Esta Espada"), o média
"Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço" e sete curtas. Entre os destaques da mostra,
estão os filmes da trilogia "João de
Deus", espécie de alter ego do diretor interpretado por ele mesmo.
São eles: "Recordações da Casa
Amarela", "A Comédia de Deus"
e "As Bodas de Deus".
O segundo, de 95, ganhador do
Grande Prêmio Especial do Júri
no Festival de Veneza, é o mais
conhecido. Nele, o protagonista
divide seu tempo entre a feitura
de "gelados" para a sorveteria em
que trabalha e uma coleção de pêlos pubianos, arquivados em um
"Livro dos Pensamentos".
Outro ponto alto é "Branca de
Neve". Em uma tela que permanece escura quase todo o tempo,
ouve-se a leitura do texto homônimo do suíço Robert Walser. A
obra provocou muita discussão
porque fora patrocinada com dinheiro público, financiamento,
segundo alguns, desperdiçado.
Do ponto de vista cinematográfico, o filme também gerou controvérsia. Um crítico português, por
exemplo, disse que sem dúvida
preferia a "versão de Walt Disney". Ainda que a opinião seja até
defensável, vale a pena ir ao cinema com o espírito desarmado: a
escolha do diretor tem suas razões, e se impõem com impacto.
Como lembra Carlos Adriano,
um dos curadores da mostra (ao
lado de Bernardo Vorobow),
"com o atual marasmo que assola
a maioria das telas de cinema do
mundo, achamos que boas doses
concentradas de ironia e ousadia
podem ser úteis para combater o
conformismo -social e cinematográfico- que não só se abate
sobre Portugal, como também
cruza oceanos".
"Vai e Vem", finalizado poucas
semanas antes da morte de Monteiro, de câncer, em 2003, ilustra
bem a ironia e a ousadia mencionadas por Carlos Adriano. O protagonista não é mais João de
Deus, e sim João Vuvu. Filmando-se em estado terminal, o diretor/ator revitaliza suas obsessões
temáticas -o sexo, a Igreja, a política, o cinema- e técnicas. O
derradeiro plano do último filme?
Um longo close do olho do cineasta.
Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido".
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