São Paulo, terça-feira, 01 de setembro de 2009

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Peça traz "Hamlet" desfigurado à cena

Prestigiado diretor búlgaro apresenta texto do dramaturgo Heiner Müller com dois atores brasileiros

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Gero Camilo e Paula Cohen brincam com
Dimiter Gotscheff


JOSÉ ORENSTEIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, os ventos do leste trazem a novidade: o muro continua ali. E está de pé. Quem sopra a nova é o búlgaro Dimiter Gotscheff, diretor e ator de teatro radicado na Alemanha, onde comanda o prestigiado Deutsches Theater.
Gotscheff, 66, sobe ao palco do Sesc Santana amanhã para atuar em "Hamlet-Máquina", mais célebre texto do dramaturgo Heiner Müller (1929-1995), com quem trabalhou e de quem foi amigo. O búlgaro, que também dirige o espetáculo, dividirá a cena com Gero Camilo e Paula Cohen, atores convidados especialmente para as duas apresentações que acontecem em São Paulo. O evento faz parte das celebrações que o Instituto Goethe promove para marcar os vinte anos da queda do Muro que simbolizava a separação entre Alemanha Oriental e Ocidental, comunismo e capitalismo.
Se depender de Gotscheff, não há muito o que se comemorar. "O Muro está de pé, seja em Israel, no México ou nas nossa cabeças. Se ele caiu, foi só para o Deutsche Bank, que tem mais mercado."
Gero Camilo ecoa Gotscheff: "A sensação que tenho é a de que estamos nos jogando contra esses muros. Não só para tentar pular, mas para tentar derrubar".
O texto de Müller, nesse sentido, faz as vezes de demolidora e escavadeira ao propor uma desconstrução do clássico "Hamlet", de Shakespeare, e recompor seus destroços em uma obra densa e fragmentária. Pleno de citações, colagens e referências, "Hamlet-Máquina", escrito em 1979, reflete em cinco atos condensados os impasses da criação artística, do pensamento e da ação política num mundo que vive sob os escombros das barbáries do século 20.

Muros e encontros
É o encontro com um homem que viveu tudo isso de corpo presente que encanta e intriga Gero Camilo e Paula Cohen. Parceiros de longa data nos palcos e fora deles, os atores usam a cumplicidade para ajudarem-se a escalar o muro que os separa de Gotscheff.
"A gente sai do teatro que está acostumado a fazer para entender o que se faz do lado de lá e quem é esse homem do pós-guerra", conta Gero, para em seguida revelar: "Ele envenenou as minhas utopias e também a minha pátria". Gotscheff, com seus cabelos brancos, desgrenhados, retruca: "Qualquer ator é uma utopia. O importante é esse encontro, essa riqueza". Nas últimas semanas de ensaio, os atores brasileiros dizem se sentir consumidos e imersos na intensidade de "Hamlet-Máquina" e Gotscheff. "Estou dormindo e acordando com o texto", diz Paula Cohen. "Não estamos contando uma historinha de ficção, estamos sugerindo a loucura, o não esperado", acrescenta Gero.
Perguntado sobre o que Heiner Müller acharia do mundo de hoje, Gotscheff não hesita: "Ele daria uma tragada no seu charuto e faria "hmmm...". Depois, tomaria um uísque". Afinal, conta o búlgaro, Müller era um otimista, "ele acreditava na 3ª Guerra Mundial".


HAMLET-MÁQUINA

Quando: hoje e amanhã, às 21h
Onde: Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 0/xx/11/ 2971-8700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 14 anos




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