São Paulo, quinta-feira, 01 de outubro de 2009 |
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Crítica / "Na Selva das Cidades" Peça oscila entre momentos líricos e cenas explicativas
Texto de juventude de Brecht tem interpretação desigual que move ‘Na Selva das Cidades’ LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA Bertolt Brecht é um autor consagrado, mas nem todas as suas peças partilham esse reconhecimento. "Na Selva das Cidades", encenada pelo grupo Teatro do Incêndio, é uma dessas exceções e o espetáculo vale por trazê-la de novo à luz. Escrita em 1921, quando o autor tinha 23 anos, marca, ao lado de "Baal", a sua chamada fase expressionista. A montagem do encenador Marcelo Fonseca da peça que os estudiosos marxistas de Brecht preferem esquecer, como um pecadilho de juventude, é significativa, também, por ser a primeira no país depois da antológica realização do Teatro Oficina, em 1969. Nessa fábula anárquica, que apenas esboça algumas das características posteriores do teatro brechtiano, prepondera um discurso poético rasgado. O próprio Brecht advertiu no programa da primeira montagem, em 1923, que os espectadores não deveriam focar nas razões que moviam os personagens, mas no próprio conflito. Fonseca traduz o insano embate dos dois protagonistas, enfatizando a sugestão do autor de aproximá-lo da relação amorosa entre os poetas franceses Verlaine e Rimbaud. Assim, o personagem de George Garga, um pacato funcionário de biblioteca fisgado pelo poderoso contraventor malaio, o senhor Shlink, e que se enreda com ele em uma luta de vida e morte, define o seu oponente como seu "esposo infernal", aludindo a um dos poemas do livro "Temporada no Inferno", de Rimbaud. Essa aproximação de uma poesia afeita ao delírio colabora para o espetáculo assumir em sua própria forma algumas licenças e permite que a verve poética do jovem Brecht sobressaia. A opção de recusar as rubricas que definem o espaço cênico como ringue de box (seguidas pelo Oficina) produziu uma montagem despojada, que ora dialoga com elementos canônicos do teatro épico, ora se permite soluções abstratas. Na verdade, a encenação oscila, sem encontrar uma síntese estilística, entre a irracionalidade de rompantes líricos, despreocupados em gerar uma compreensão clara sobre a ação em curso, e cenas intencionalmente explicativas, que servem como pontos de respiro ao acompanhamento do público dessa estranha história de amor e ódio. O desempenho dos atores é desigual, mas isso não chega a comprometer. O próprio Marcelo Fonseca encarna o personagem de George Garga com desenvoltura, encontrando um equilíbrio entre o patético e a prontidão oratória. Seu oponente, o senhor Shlink, Rene Ramos, também se destaca, e o fato de os dois sustentarem boa parte da ação concorre a favor. Liz Reis como a irmã de Garga, Marie, que como o restante de sua família será vítima desta guerra metafísica, chega a ter bons momentos, mas se perde na complexidade da personagem, uma virgem prostituída que se apaixona pelo antagonista do irmão. Montar "Na Selva das Cidades" é um desafio que Marcelo Fonseca encarou com brio e inteligência. Mesmo não alcançando propor um novo paradigma de leitura, oferece às novas gerações uma oportunidade de conhecer um dos textos mais intrigantes de Brecht. NA SELVA DAS CIDADES Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 20h30 Onde: Funarte - sala Renée Gumiel (al. Nothmann, 1.058; tel. 3662-5177) Quanto: R$ 10 Classificação: 14 anos Avaliação: regular Próximo Texto: Teatro: Grupo Lume leva peça ao centro Índice |
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