São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

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30ª Mostra de SP - Análise/"Ouvindo Imagens"

Michel Favre filma ensaio sobre o pensamento

Divulgação
"Ouvindo Imagens", de Michel Favre, baseado em intervenção urbana de Fabiana de Barros


CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A seqüência de apresentação de "Ouvindo Imagens" já demonstra seu programa poético: imagens de antenas embaralhadas e sons de vozes entrecruzadas em freqüências de sintonia. Imagens visuais e sonoras da captação e transmissão de narrativas que serão operadas na tela.
Se antenas apontam para a sinopse topológica dos caminhos que o filme percorre (ruas como traços no espaço), antenas também remetem às sinapses das conexões de idéias que o filme constrói (índices mentais como traços no tempo).
O filme de Michel Favre parte da intervenção urbana "Auto Psi", da artista Fabiana de Barros, que, por sua vez, parte do Teste de Apercepção Temática (TAT), criado pelo Dr. Henry Murray entre 1935 e 1943.
Murray catalogou imagens que ativam a fabulação do paciente. No táxi de Fabiana, os passageiros pagam a corrida formulando uma história segundo a foto que lhes é mostrada. "Auto Psi" leva alguém a indagar sobre "autópsia". Se o "ato de ver com seus próprios olhos" é o espelho do ego e da ficção, o preço da passagem é a expiação e o lapso do imaginário.
Arriscando rotas imprevistas no eixo documentário, Favre realiza um maravilhoso ensaio sobre o processo mesmo do pensamento. O roteiro costura com engenho a performance, cenas da cidade tomadas no trajeto e em paralelo, e o depoimento do professor Wesley G. Morgan sobre o método de Murray.
Lançando os fios da fala em múltiplas vias, o filme é um fiteiro cultural expandindo-se na malha urbana. O espectador vê em "delay" a imagem que o passageiro vê, após a narrativa finda. É como se o expediente de Hollis Frampton no filme "Nostalgia" fosse atualizado para a memória da urbe.
A paisagem é lida pela grade das "fotoformas" e submetida ao pulso da máquina (planos recortados em cortinas ao ritmo quebrado do rap). Imagens de enigmas interrogam o olhar (o avião que rasga o chão da tela; o cão que late no terraço marginal) e encadeiam-se em eco (do subsolo do metrô, a voz vaza pelo bueiro e sobe nas raízes da árvore).
Véus são acidentes técnicos na revelação da imagem, que surgem antes ou depois da câmera acionar o negativo para filmar. Sombra elétrica de um registro incompleto e inscrição da natureza do cinema, a velatura da imagem não oculta, na psicologia do filme, o inconsciente óptico. Favre usa o véu como elemento de contraponto estrutural, que rima com a marcação sonora e sublima o que não foi (re)velado. Por meio de complexa montagem, o filme faz tábula rasa da linguagem ao experimentar radicalmente o cinema e faz análise da imaginação ao ampliar a escuta na vertigem dos sinais em branco.
CARLOS ADRIANO é cineasta, autor de "A Voz e o Vazio: A Vez de Vassourinha", entre outros

OUVINDO IMAGENS
Direção: Michel Favre
Onde: hoje, às 15h30, no Espaço Unibanco de Cinema 3



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