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TEATRO/CRÍTICA
Em tempos de cenários grandiosos, montagem em cartaz no CCSP prima pelo essencial e pelo trabalho de ator
"O Porco" propõe teatro com mínimo de recursos
Silvia Machado/Divulgação
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O ator Henrique Schafer em cena de "O Porco", montagem dirigida por Antonio Januzelli |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Nos atuais tempos de carência de incentivos à produção
teatral, a saída é investir no marketing de cenários espalhafatosos
e atores famosos ou reduzir o teatro ao seu essencial, recolhendo-se em salas minúsculas e improvisadas, para reinventar o novo.
Nessa tendência que felizmente se
multiplica e salva a lavoura, "O
Porco", monólogo dirigido por
Antonio Januzelli e representado
por Henrique Schafer, é a montagem que mais honra esse teatro
"underground".
Underground ao pé da letra,
aliás, já que se entranha no porão
do Centro Cultural São Paulo, o
instigante, mas complicado espaço Ademar Guerra por sua falta
de isolamento acústico e de platéia confortável. Mas a inteligente
estratégia da montagem tira proveito imediato disso.
Afinal, o que se vai ouvir é o depoimento de um porco na véspera do abate: arriscar-se ao espaço
escondido, sob o mundo dos homens, já funciona como um ritual
para a platéia. No aparente improviso do espaço, no entanto,
percebe-se logo um minucioso
projeto de luz com excelente operação, e o figurino que faz o rústico se tornar sofisticado.
E isso acompanha admiravelmente o texto. Seu tema faria pensar em um deboche escatológico;
no entanto, o porco de Raymond
Cousse tem a dignidade dos
clowns de Shakespeare. Frente à
morte iminente e que ele sabe inevitável, sua sucessão de argumentos, sem nunca apelar para o patético nem para o grosseiro, é inesquecível. Não denuncia a sua condição, mas a reivindica em nome
de sua dignidade. Um porco cartesiano, que tirando sua força de
sua serenidade vai abrindo significados cada vez mais abrangentes para a sua vida.
Cercado por dois lados pelo público, exposto à curiosidade como
em um açougue, o porco faz as
honras da pocilga detalhando o
significado de cada adereço: o balde, que o criador cisma em pôr no
meio do espaço diminuto, impossibilitando os rígidos códigos pessoais de conduta de seu porco; a
porta de bronze que se abrirá para
a morte, a palha e a ração que se
adivinham. Como em Beckett, cada detalhe é fundamental, e o
cheiro delicado do excremento
equivale à lembrança do falecido
pai cachaço.
Reforçado pela tradução, que ao
se basear na versão espanhola diminuiu o humor mais solto dos
trocadilhos do original francês, o
mestre Januzelli, com seu olhar de
Lince, conduz seu discípulo Henrique Schafer por uma partitura
preciosa, que faz vibrar silêncios e
alterna ritmos e tons levando a arte da ironia a seu ponto mais sofisticado.
Falando olho no olho com a platéia, incluindo-a sem constrangê-la, o desgaste físico e emocional de
Schafer é enorme, mas a preparação de anos para esse espetáculo
faz dele o cartão de visitas de um
ator a não se perder de vista.
Não há metáforas; porém a
crueza arquetípica da situação do
porco cercado para a morte acaba
remetendo ao que o público quiser: o Holocausto, a condição humana e, por que não, a situação
do ator que, no seu espaço mínimo, recria um sentido para a vida.
Não é preciso muito para haver o
melhor teatro: basta um ator e a
leitura inteligente de um texto.
O Porco
Direção: Antonio Januzelli
Com: Henrique Schafer
Quando: qua. e qui., às 21h; até 2/3
Onde: Centro Cultural São Paulo (r.
Vergueiro, 1.000, Liberdade, tel. 3277-3611, r. 221)
Quanto: R$ 12
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