São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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Crítica/"À Margem do Concreto"

Mocarzel avança no campo da desmistificação

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Sob o império da moda e da mídia, a imagem se consolidou como um passaporte para a existência.
Sem uma imagem marcante, alguém, mesmo que exista, pague seus impostos e seja um cidadão, está condenado a ser confundido com ninguém. Atento a essa transformação hoje macroscópica dos valores, o cineasta Evaldo Mocarzel deu início, com "À Margem da Imagem", em 2001, a um conjunto de retratos de grupos sociais em posição de excluídos.
Segunda parte desse projeto, "À Margem do Concreto" focaliza idéias e ideais dos integrantes do MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro).
Como no primeiro documentário da série, o trabalho evita os riscos do paternalismo. Não se trata de constituir de fora uma visão dos excluídos, mas de usar a câmera para auscultar o que as representações públicas escondem ou mascaram.
Trata-se de um subterfúgio bem urdido por um diretor que, além de documentarista, carrega uma experiência como jornalista. Ciente das regras da representação nos dois lados desse front, Mocarzel parte em busca de seu objeto e opta por dar voz a ele, em vez de lhe impor um discurso. Nesse sentido, seus trabalhos avançam a passos claros no território da desmistificação, em vez de se posicionar no campo confortável da contra-ideologia.
O que o diretor busca é estimular as falas, estar atento às situações reveladoras, captá-las e, após o processo de seleção na montagem, deixar nossos olhos terem acesso a esse esforço de auto-representação, que nunca surge límpido e coerente, mas sempre problemático.
Como jornalista, Mocarzel conhece os limites dos ideais de objetividade e, quando se desveste dessa personalidade para assumir a de documentarista, torna evidente que os fatos, mesmo quando narrados de acordo com as regras da imparcialidade jornalística, nunca escapam a seu status de representações.
Em vez de adotar o panfletarismo contra o império da imagem, o que o trabalho de Mocarzel traduz é a ascensão dos invisíveis ao território do visível, o que não deixa de ser também uma bela idéia de cinema.


À MARGEM DO CONCRETO    
Direção: Evaldo Mocarzel
Produção: Brasil, 2006
Quando: em cartaz no Frei Caneca Unibanco Arteplex 7


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