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Tatiana Blass derrete obras em mostra
Cachorros de parafina se desmancham sob refletores e chapa quente em individual que a artista abre hoje
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
No teatro de Tatiana Blass,
cachorros derretem à luz dos
refletores de mil watts. São animais de parafina que se desmancham em poças esbranquiçadas pelo chão da galeria.
Uma chapa de latão esquenta
e vai cortando ao meio o corpo
de outro cão de cera, morto
num canto da Millan, onde a artista abre hoje sua individual.
"Tudo vai se desfazendo, se
destrói", diz Blass, entregando
o enredo da mostra-performance. "É o calor que destrói,
uma coisa escorrida, sofrida,
que não deixa de ser agressiva."
Na trama de formas que se
desmancham diante dos olhos,
Blass narra uma espécie de despedida ferina. Se os cachorros
já mortos vão perdendo o corpo, e um deles revela por baixo
da pele de cera um esqueleto de
ossos reais, suas pinturas mostram aviões que já decolaram.
São grandes telas de traços
fugidios, manchas de cor que
não cabem nos contornos mais
do que frouxos arquitetados
pela artista. Entre sombras, nos
cantos e espaços vazios dos
quadros, aeronaves surgem
fantasmagóricas. Transportam
desconhecidos numa viagem
sem rumo nem volta.
Dispostas ao longo das paredes da galeria, as telas servem
de eco visual às esculturas que
ardem sob os refletores ou derretem com a chapa quente. Não
há traço de piedade no mundo
tórrido de Blass, a não ser o alívio das cores e reflexos que sobrevivem ao horror aqui e ali.
Ou não. Quem olha para a
chapa que vai decepando o cachorro enxerga fragmentos do
próprio corpo refletidos no metal quente e dourado. Toda a galeria se torna cúmplice do crime, tragada a contragosto para
dentro dessa destruição.
Blass sublinha um destino
manifesto, afoga a luz no fim do
túnel, transformando a morte,
ou despedida, em espetáculo
para a contemplação. No branco da parafina, no calor da luz,
no latão reluzente, encerra
uma sensualidade tétrica. Acaricia os sentidos com um grande repertório de repulsa.
"É uma violência, tem esse
lado repulsivo", diz Blass. "Mas
tudo se desfaz num modo de
construção, tento afirmar esse
desfazer, não negar isso."
E não nega. Blass executa
seus cães sem abrir mão da delicadeza. Seu drama vira uma
espécie de ode ao desaparecimento, crença resignada no
fim. Em vez de lutar pela permanência, assume o efêmero e
exalta o calor da melancolia.
TATIANA BLASS
Quando: abertura hoje, às 20h; de
seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das
11h às 17h; até 27/3
Onde: galeria Millan (r. Fradique
Coutinho, 1.360, tel. 3031-6007)
Quanto: entrada franca
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