São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2010

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Tatiana Blass derrete obras em mostra

Cachorros de parafina se desmancham sob refletores e chapa quente em individual que a artista abre hoje

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

No teatro de Tatiana Blass, cachorros derretem à luz dos refletores de mil watts. São animais de parafina que se desmancham em poças esbranquiçadas pelo chão da galeria. Uma chapa de latão esquenta e vai cortando ao meio o corpo de outro cão de cera, morto num canto da Millan, onde a artista abre hoje sua individual.
"Tudo vai se desfazendo, se destrói", diz Blass, entregando o enredo da mostra-performance. "É o calor que destrói, uma coisa escorrida, sofrida, que não deixa de ser agressiva."
Na trama de formas que se desmancham diante dos olhos, Blass narra uma espécie de despedida ferina. Se os cachorros já mortos vão perdendo o corpo, e um deles revela por baixo da pele de cera um esqueleto de ossos reais, suas pinturas mostram aviões que já decolaram.
São grandes telas de traços fugidios, manchas de cor que não cabem nos contornos mais do que frouxos arquitetados pela artista. Entre sombras, nos cantos e espaços vazios dos quadros, aeronaves surgem fantasmagóricas. Transportam desconhecidos numa viagem sem rumo nem volta.
Dispostas ao longo das paredes da galeria, as telas servem de eco visual às esculturas que ardem sob os refletores ou derretem com a chapa quente. Não há traço de piedade no mundo tórrido de Blass, a não ser o alívio das cores e reflexos que sobrevivem ao horror aqui e ali.
Ou não. Quem olha para a chapa que vai decepando o cachorro enxerga fragmentos do próprio corpo refletidos no metal quente e dourado. Toda a galeria se torna cúmplice do crime, tragada a contragosto para dentro dessa destruição. Blass sublinha um destino manifesto, afoga a luz no fim do túnel, transformando a morte, ou despedida, em espetáculo para a contemplação. No branco da parafina, no calor da luz, no latão reluzente, encerra uma sensualidade tétrica. Acaricia os sentidos com um grande repertório de repulsa.
"É uma violência, tem esse lado repulsivo", diz Blass. "Mas tudo se desfaz num modo de construção, tento afirmar esse desfazer, não negar isso."
E não nega. Blass executa seus cães sem abrir mão da delicadeza. Seu drama vira uma espécie de ode ao desaparecimento, crença resignada no fim. Em vez de lutar pela permanência, assume o efêmero e exalta o calor da melancolia.


TATIANA BLASS

Quando: abertura hoje, às 20h; de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 27/3
Onde: galeria Millan (r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 3031-6007)
Quanto: entrada franca




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