São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009

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Crítica/"A Chave da Casa"

Sentimento de desconforto domina filme sobre refugiados de guerra no Brasil

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

"Matamos a política dentro de nós para poder sobreviver", afirma um. "Pátria é aquele anônimo que desconhecemos", diz outro. Estamos no início de "A Chave da Casa", documentário sobre homens e mulheres para quem a identidade nacional é elemento estrangeiro.
São iraquianos de origem palestina, fugitivos de guerra que vivem em barracões na fronteira entre a Jordânia e o Iraque desde 2003, quando da queda do regime de Saddam Hussein.
Sob tutela da ONU há mais de quatro anos, alguns deles se preparam para deixar o campo de refugiados, de mudança para o Brasil.
O primeiro ato do filme de Paschoal Samora e Stela Grisotti mostra as últimas 48 horas dessas pessoas no desértico abrigo de Al Rweished. Em foco, um casal que se conheceu e casou no próprio campo, uma senhora que perdeu o filho e outros três homens solitários.
Enquanto estudam português, fazem as malas e se despedem de amigos e familiares, eles contam suas histórias de vida e expectativas.
Nesses relatos, o Brasil surge quase como uma abstração, apenas um porto seguro longe da linha de combate. Há esperança na fala dos refugiados, mas também certa amargura, reflexo de uma trajetória sempre errante.
O registro preciso do espírito melancólico dos despatriados é um dos principais méritos de "A Chave da Casa", que, em sua segunda metade, mostra a nova rotina desses imigrantes em solo brasileiro. Tentam adaptar-se à língua e aos costumes, espalhados por Mogi das Cruzes (SP), Florianópolis e as cidades gaúchas de Pelotas e Venâncio Aires.
Se no Oriente Médio a preocupação central era resistir à perseguição religiosa, no novo mundo a questão econômica se impõe. A ajuda de custo da ONU é insuficiente, e não há trabalho para todos. No encontro entre dois ex-colegas de Al Rweished, ambos comentam a ironia de o primeiro "emprego" no Brasil ser a própria atuação no documentário. E sobram críticas ao governo brasileiro e ao programa de integração social das Nações Unidas.
Por mais que a vida desses personagens anônimos vá lentamente se ajeitando, persiste em "A Chave da Casa" o sentimento de desconforto. Tudo e todos sempre parecem um pouco fora do lugar.


A CHAVE DA CASA
Direção:
Paschoal Samora e Stela Grisotti
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 15h, no Cinesesc; e sábado, às 13h, no CCBB
Avaliação: bom



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