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Crítica/"A Chave da Casa"
Sentimento de desconforto domina filme sobre refugiados de guerra no Brasil
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
"Matamos a política
dentro de nós
para poder sobreviver", afirma um. "Pátria é
aquele anônimo que desconhecemos", diz outro. Estamos no
início de "A Chave da Casa", documentário sobre homens e
mulheres para quem a identidade nacional é elemento
estrangeiro.
São iraquianos de origem palestina, fugitivos de guerra que
vivem em barracões na fronteira entre a Jordânia e o Iraque
desde 2003, quando da queda
do regime de Saddam Hussein.
Sob tutela da ONU há mais de
quatro anos, alguns deles se
preparam para deixar o campo
de refugiados, de mudança para
o Brasil.
O primeiro ato do filme de
Paschoal Samora e Stela Grisotti mostra as últimas 48 horas dessas pessoas no desértico
abrigo de Al Rweished. Em foco, um casal que se conheceu e
casou no próprio campo, uma
senhora que perdeu o filho e
outros três homens solitários.
Enquanto estudam português,
fazem as malas e se despedem
de amigos e familiares, eles
contam suas histórias de vida e
expectativas.
Nesses relatos, o Brasil surge
quase como uma abstração,
apenas um porto seguro longe
da linha de combate. Há esperança na fala dos refugiados,
mas também certa amargura,
reflexo de uma trajetória sempre errante.
O registro preciso do espírito
melancólico dos despatriados é
um dos principais méritos de
"A Chave da Casa", que, em sua
segunda metade, mostra a nova
rotina desses imigrantes em solo brasileiro. Tentam adaptar-se à língua e aos costumes, espalhados por Mogi das Cruzes
(SP), Florianópolis e as cidades
gaúchas de Pelotas e Venâncio
Aires.
Se no Oriente Médio a preocupação central era resistir à
perseguição religiosa, no novo
mundo a questão econômica se
impõe. A ajuda de custo da
ONU é insuficiente, e não há
trabalho para todos. No encontro entre dois ex-colegas de Al
Rweished, ambos comentam a
ironia de o primeiro "emprego"
no Brasil ser a própria atuação
no documentário. E sobram
críticas ao governo brasileiro e
ao programa de integração social das Nações Unidas.
Por mais que a vida desses
personagens anônimos vá lentamente se ajeitando, persiste
em "A Chave da Casa" o sentimento de desconforto. Tudo e
todos sempre parecem um
pouco fora do lugar.
A CHAVE DA CASA
Direção: Paschoal Samora e Stela
Grisotti
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às
15h, no Cinesesc; e sábado, às 13h, no
CCBB
Avaliação: bom
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