São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Crítica/teatro/"O Céu Cinco Minutos Antes da Tempestade"

CPT apresenta seus melhores frutos em drama sobre patologia

Sob direção de Eric Lenate, atriz Paula Arruda cristaliza seu potencial no palco, com Carlos Morelli e Patrícia Carvalho

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Uma marca do teatro contemporâneo é a busca por reinscrever a palavra na cena, reinventando-lhe um lugar. A dramaturgia de Silvia Gomez para "O Céu Cinco Minutos Antes da Tempestade" é exemplo notável desta proposição. Segundo fruto do Círculo de Dramaturgia do CPT que chega à cena, o texto sustenta um espetáculo que, sem abdicar de uma situação dramática, mas para além de esquemas convencionais, constrói-se na justaposição de falas aceleradas e vozes intensificadas. Esta massa sonora organiza-se aos poucos no pensamento do espectador. A enunciação extremada não favorece a formulação de um sentido, mas permite leituras e possibilita narrativas. Se há um tema em jogo é o da patologia. Ele aparece explicitado sem recalques nem pudores, no núcleo familiar ou o triângulo pai, mãe e cria. A ficção está oculta e o que se revela é o estado limite da doença chamada família, quando a distância e a dependência mais intricada convivem em tensão. O que se vê e percebe é a matéria-prima do patológico. Mesmo não evitando as referências a nomes e circunstâncias, o grande feito da dramaturgia é manter-se pairando acima deles como estridência que não se apanha, ou impasse sem porta de saída. O texto convida o ouvinte a tomá-lo em blocos sonoros fechados e articulados em repetições, de modo a insinuar alguma cognição, mas sem abdicar de uma fruição mais aberta, da cena como uma presença que fala por si.

Direção mínima
Para que se opere essa semântica desenraizada, é fundamental o trabalho do encenador Eric Lenate, que cria um pano de fundo ideal ao trabalhar com um mínimo de signos definidos -a cama, a caixa de correio, as caixas de remédio vazias, as cartas- e deixar aos figurinos a apresentação dos personagens. Estes são dúbios e vagos: pai-intruso, mãe-enfermeira, filha-paciente. Nesta oscilação entre pólos, chamando-se até pelos nomes, mas sem se reconhecer de fato, eles orbitam regulares em um espaço fechado de exposição, o teatro. O único personagem ausente nessa dinâmica, e, ao mesmo tempo, o mais presente, é o mestre-de-cerimônias, um tipo de mordomo metafísico que abre e fecha a cena e que, mascarado como um boneco de pano, manipula os personagens reais, estabelecendo um requintado distanciamento. Tudo isso teria sido impossível, ou quimera, não fosse o corpo e a alma de Paula Arruda. A atriz alcança a maturidade, em trajetória ímpar e realiza um potencial que sempre foi cristalino. Carlos Morelli e Patrícia Carvalho, o casal de estranhos velhos conhecidos, mantêm o tônus básico para que as falas e berros da vítima, e bode, maior possam ecoar. Também é significante o lugar do espetáculo: a sagrada sala de ensaio de Antunes Filho. É como se, expondo seu reduto, honrasse os que melhor frutificaram seus procedimentos.


O CÉU CINCO MINUTOS ANTES DA TEMPESTADE
Quando: sex., às 21h; até 28/11
Onde: Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000)
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10
Classificação: não recomendado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



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