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Crítica/teatro/"Todos os Homens Notáveis"
Peça do ator e dramaturgo Marcelo Fonseca cumpre menos do que promete
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Após quatro anos de processo e 12 versões, "Todos os Homens Notáveis" surge com a vocação de
ser o "Cidadão Kane" de Marcelo Marcus Fonseca. De fato, o
ator-diretor-dramaturgo propõe com fé no taco um texto de
longo fôlego que toca incômodas feridas da tão jovem e já tão
desacreditada democracia brasileira. Conta, para isso, com a
cumplicidade de sua companhia, Teatro do Incêndio, e com
medalhões do teatro paulista,
como Davi de Brito na luz e Lola Tolentino nos figurinos.
Bem amparada e com bons
propósitos, a montagem no entanto não consagra a companhia, e causa um impacto no
fim das contas bem menor do
que se poderia esperar.
Ao contrário de Orson Welles em "Cidadão Kane", aliás, o
diretor não pretende aqui revolucionar a linguagem narrativa.
Deixa, pelo contrário, muito
claras as suas referências: as cenas curtas com diálogos entrecortados cheios de frases de impacto remetem imediatamente
ao "Beijo no Asfalto" de Nelson
Rodrigues, com seus jornalistas
amorais, magnatas patéticos
em suas perversões e ingênuos
úteis que vão se corrompendo
diante das circunstâncias.
Da mesma forma, vêm diretamente do universo de Antunes Filho muitas das soluções
cênicas, como os coros alegóricos e o cenário minimalista que
vai sendo moldado pelas necessidades de cada cena, além da
elegante trilha executada ao vivo e, é claro, a luz de Brito.
Mas a montagem se desautoriza quando, ao pretender desmascarar os mecanismos escusos do poder, reafirma lugares
comuns. Conrado Reis, dono de
emissora de televisão, torna-se
governador graças ao apoio de
seu amigo Olavo Silvestre, dono de um grande jornal que até
então condenava a vulgaridade
da programação de Reis. Eles
acabam se destruindo ao expor
a sujeira acumulada por baixo
do tapete.
A atuação apaixonada de
Fonseca, no papel de Reis, e de
Gustavo Engracia, que faz Olavo com uma densidade contida,
contribuem para evitar que a
montagem descambe em uma
chanchada cínica e maniqueísta. Questões delicadas são tratadas nas entrelinhas, como o
secreto homossexualismo, que
humaniza ambos, e a ironia esperta dos diálogos faz contrapeso ao que o espetáculo tem
de sentencioso.
Redundâncias
O espetáculo se ressente sobretudo por cenas redundantes
e ilustrativas, como a da festa
da posse, na qual uma advogada
corrupta é desafiada a expor
em meio à orgia suas futuras estratégias de defesa para a corrupção inevitável.
No começo
do processo, em 2002, talvez a
cena ainda tivesse uma força de
delação. Tantas CPIs inúteis
depois, a denúncia acaba apenas ecoando a vulgaridade do
real, sem trazer luz nova ao
problema.
Comum em espetáculos dirigidos pelos dramaturgos, a peça
pede um enxugamento rigoroso, que não tivesse dó de suprimir a lírica shakespeareana que
alguns solilóquios alcançam,
com prejuízo do ritmo geral. O
público que aplaude vigorosamente ao final da peça parece
querer assim endossar a indignação de seus autores, contra a
política podre na raiz, vendida
ainda pelo todo poderoso marketing disfarçado de notícia.
Mas o fato de que, tantas denúncias depois, o panorama
não pareça mudar mostra que
uma investigação mais profunda das causas ainda seja necessária. A denúncia de "Todos os
Homens Notáveis" não é vazia,
mas chove no molhado, e, apesar da sua elegância e empenho,
acaba ficando bem aquém do
seu potencial.
TODOS OS HOMENS NOTÁVEIS
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom. às
19h. Até 17/12
Onde: João Caetano (r. Borges Lagoa,
650, tel. 5573-3774)
Quanto: R$ 10
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