São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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DANÇA

"Lei de Nada", com bailarinos com cerca de 40 anos, estréia no Sesc Pompéia

Cia. 2 do Balé da Cidade encara falsas verdades

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Estados da alma e regras sociais, questões físicas e dilemas emocionais são parte do novo trabalho da Cia. 2 do Balé da Cidade, que estréia hoje no galpão do Sesc Pompéia. Para Gabriel Castillo, responsável pela concepção e direção de "Lei de Nada", o que define esse "teatro físico" é "a eficácia e a perceptibilidade que a dança oferece, fisicamente associada ao dinamismo e à clareza gestual que o teatro tem".
Venezuelano radicado em Londres, Castillo é diretor-assistente de Lloyd Newson no DV8 Physical Theatre, grupo ao qual está associado desde a criação de "Enter Achilles" (Entra Aquiles), em 1995. Projetos atuais com o DV8 incluem o filme "Cost of Living" (Custo de Vida), atualmente em fase de edição, e uma nova produção que começará em maio.
Castillo foi co-fundador da Rajatabla Danza e atuou em outras companhias importantes, como as belgas Michelle Anne de Mey e Ultima Vez (de Wim Vandekeybus), e Bill Young & Dancers (EUA). Dirigiu e coreografou para a DanzaHoy (Venezuela) e para o filme "5 Days", de Jonuel Ponzo, entre outros trabalhos.
No projeto com a Cia. 2, iniciado em janeiro, problematiza "as falsas verdades". A base é "o auto-engano: o reflexo do mundo objetivo sobre o subjetivo. De vez em quando saímos do estado confortável e nos encaramos de verdade, vivemos em constante conflito".
De alguma maneira esse trabalho reflete, também, as contingências da Cia. 2, formada por bailarinos com cerca de 40 anos que procuram maneiras de ampliar seu campo de atuação numa profissão muitas vezes marcada pela idade. O próprio Castillo comenta: "Você dança, dança, por paixão, sem pensar muito no depois. A situação muda e tem de ser considerada por outros prismas. O que me interessa é exatamente o conflito: achar as metáforas, a poesia para uma travessia".
Para a diretora do Balé da Cidade, Mônica Mion, é importante os próprios bailarinos perceberem que uma mudança de direção coreográfica pode modificar muito mais: "Nem sempre a Cia. 2 teve apoio para existir, há questionamentos sobre a validade da continuidade do trabalho. Essa criação quer proporcionar uma passagem -não um puro atravessar, preso no passado, mas sim abrindo outros caminhos".
É a primeira vez que o grupo entra em contato com a linguagem do teatro físico. A criação é coletiva, a partir de propostas de trabalho de Castillo. A peça se concentra nas relações pessoais e num repertório de imagens estereotipadas; partindo de experiências individuais, personaliza o vocabulário de movimentos de cada intérprete. Para se comunicar com o público, Castillo acredita que "não é suficiente um movimento abstrato". Canto, fala, gestos, tudo é material para ligar artista e público.
Como parte da preparação, a Cia. 2 trabalhou em novembro com a coreógrafa Renata Mello e com os bailarinos brasileiros Ricardo Iazetta e Key Sawao (hoje assistente de direção de "Lei de Nada"). A trilha foi editada por Renato Jimenez (com algumas músicas de sua autoria), a iluminação é de André Boll, e os figurinos, de Marcos Nasci e Gabriel Castillo. O cenário, entre uma sala e um quarto, de Daniela Thomas e Patrícia Rabbat, tem papel determinante na criação.
A idéia da cena, segundo Castillo, é "um espaço exterior que vira espaço interior. O que define o espaço é sua funcionalidade. Por exemplo, os indigentes transformam a rua num espaço bem íntimo -dormem, fazem suas necessidades etc. Pela necessidade, o espaço público vira outra coisa. Isso é só uma observação de como os processos mais pessoais têm a ver com processos mais sociais".
Não chega a ser uma definição de seu trabalho, mas quase. A dança aqui se esforça para ligar o que é de dentro ao que é de fora, sem apagar diferenças e sem camuflar identidades.


BALÉ DA CIDADE - onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Água Branca, tel. 3871-7700). Quando: hoje e dias 8, 10, 15, 16 e 17, às 21h, e amanhã e dias 11 e 18, às 18h30. Quanto: de R$ 3 a R$ 10.


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