São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

Índice

TEATRO

Após temporada no Rio, montagem que apresenta universo do poeta mato-grossense estréia hoje no Sesc Belenzinho

"Inutilezas" leva ao palco Manoel de Barros

PEDRO IVO DUBRA
DA REDAÇÃO

Poesia do chão, do detrito, do traste sem valor que comporta mais transcendência do que se suspeita, a obra de Manoel de Barros ganha a superfície do palco do Sesc Belenzinho hoje, com uma montagem carioca que antes fez temporada de quatro meses no Rio e se apresentou em São José do Rio Preto.
"Inutilezas" é mais uma direção de Moacir Chaves, 37, que já excursionou por outras recriações de universos literários (casos de "Viver!" e "Sermão da Quarta-Feira de Cinzas", a partir de Machado de Assis e padre Vieira, respectivamente). O roteiro do espetáculo é criação de Bianca Ramoneda, atriz que divide a cena com Gabriel Braga Nunes. Completa o time, digamos, in loco, o músico Pepê Barcellos.
Sim, porque, além do poeta, outras "participações" compõem o trabalho. Os músicos Pedro Luís e Hermeto Pascoal aportam contribuições distintas.
Enquanto o primeiro compôs a trilha sonora da peça, executada ao vivo por Barcellos com instrumentos como latas, chaleiras e outras tralhas, e uma "sinfonia de 33 pios", groove sampleado com apitos que imitam pássaros, uma gravação de Pascoal ao piano e seu depoimento, ainda que ininteligível em virtude da música, em off arrematam o espetáculo.
Ramoneda, 30, que também é escritora, conheceu Manoel de Barros durante o Prêmio Nestlé de Literatura, em 97. Ela concorria como estreante (com o livro "Só", que rendeu um monólogo) e o poeta, com atuais 86 anos, em outra categoria, de consagrados. A partir daí que começou a conhecer a obra poética do cuiabano e a se corresponder com ele.
Correio eletrônico ou a antiga mania de "cartear" dos artistas? "Manoel não fala com máquina. Que e-mail, que nada... E ele tem uma letrinha de formiga", explica a atriz, que obteve autorização irrestrita para adaptá-lo. Faça o que quiser com minha obra, disse o autor. O que a deixou um pouco assustada, diante das possibilidades que se abriam no vácuo da permissão sem freios.
"Ele não levava muito a sério, desconfiava que não renderia teatro. Mas, depois, foi especialmente ao Rio assistir ao espetáculo, e "pirou'", relata Ramoneda. A pesquisa começou por volta de 2000. Posteriormente o trabalho de Moacir Chaves foi demandado.
"A questão com o texto é mais do que marcar, é criar um determinado sentido. Ao mesmo tempo em que eu trabalhava a qualidade dos atores, ensaiando, fui criando um sentido da encenação que não precisa ser desvendado, mas que é o que sustenta nossa presença", afirma Chaves sobre a adaptação, que pretende transcender a pura e simples leitura de poesias para firmar uma linguagem cênica própria.
A opção do roteiro não foi escolher poemas preferidos, mas destacar recorrências, constantes ao longo da travessia artística de Barros. Num cenário impreciso, entre ruína e abandono, construção e terreno baldio, dois irmãos dialogam numa levada pouco linear e amparada em memórias. A criação é de Fernando Mello da Costa. A luz, de Aurélio Simoni, intenta ecoar tal atmosfera.
Para setembro, existe a previsão de "Inutilezas" se apresentar em Campo Grande (MS). "A família já disse que, se não tivermos hospedagem, ficamos na casa do Manoel", afirma Ramoneda.


INUTILEZAS. Texto: Manoel de Barros. Roteiro: Bianca Ramoneda. Direção: Moacir Chaves. Com: Bianca Ramoneda e Gabriel Braga Nunes. Onde: Sesc Belenzinho - galpão do meio (av. Álvaro Ramos, 915, Quarta Parada, região leste, tel. 6605-8143). Quando: sáb., às 21h, e dom., às 20h. Até 25/8. 50 min. Quanto: de R$ 5 a R$ 15.


Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.