São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2011

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CRÍTICA DRAMA

Tetralogia faz discurso poético reinar absoluto

Francisco Carlos se confirma como encenador maduro com mix de tradições amazônicas e cultura ocidental

Lenise Pinheiro/Folhapress
Tarina Quelho e Thiago Brito em "Banquete Tupinambá"

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O império da palavra encantada. "Jaguar Cibernético - Tetralogia Canibal", do dramaturgo e encenador amazonense Francisco Carlos, é uma experiência teatral singular em que o discurso poético predomina absoluto.
Ambiciosa realização reunindo quatro espetáculos, que se articulam em torno de um mix de tradições amazônicas e fragmentos da cultura ocidental, confirma seu criador como um encenador maduro e inventivo.
As quatro partes do texto inédito, cuja primeira versão foi escrita em 1993, são montadas em duas noites, e cada uma tem disposição espacial e cenográfica próprias.
De comum entre elas, a ausência de personagens realistas, substituídos por figuras alegóricas que se expressam em fluxos de consciência confundidos com a voz autoral. Suas falas fluem como jorros assonantes de significados múltiplos condensados.
O dialogismo do drama é substituído por esses acessos líricos, que tanto descrevem as identidades figurais falantes como narram suas ações e interações. É no enfrentamento dessa radical recusa da convenção dramática, impeditiva de qualquer identificação psicológica, que a montagem surpreende.
O primeiro movimento é o "Banquete Tupinambá", em que um rito familiar de devoração, passado há cinco séculos, evoca a noção de alteridade fraterna entre tribos inimigas sob a sombra do jaguar, totem vivo a presidir todas as ações. O chão de areia, uma oca de bambus vazada, belas pinturas faciais e malhas negras como base de corpos coloridos demarcam a origem mítica de forma digna e exuberante.
A segunda peça, "Aborígene em Metrópolis", contrapõe um jovem kamaiurá a Yves Saint Laurent. O criador de moda guia o índio por paragens míticas da grande cidade. Mais do que encontros, o selvagem, que remete ao jaguar totêmico, tem seguidos confrontos com a civilização.
A disposição irônica frente ao universo fashion, estruturada pelos figurinos e traços de arte pop, contamina toda a narrativa. No terceiro espetáculo, "Xamanismo - The Connection", o jaguar está na pele de uma xamã assimilado por drogados. Eles estão entocados à espera de um traficante que nunca chegará.
Na viagem lisérgica, realizam a imaginação de um produtor de cinema. Com um jogo de praticáveis e espelhos, arma-se um labirinto depressivo para o jaguar em sua incursão nas drogas sintéticas.
O último momento, "Floresta de Carbono - De Volta ao Paraíso Perdido", é o mais operístico. Num espaço maior, forrado de folhas secas, com fotos da floresta ao fundo e um carro antigo em cena, projeta-se um novo Éden -"último capítulo do Gênesis"-, em que o jaguar, de volta ao seu habitat, enfrenta os que buscam destruir sua condição de outro. Os atuantes desempenham árias faladas isolados na vastidão.
Em todas essas situações o encenador, aliado à virtuosa direção de arte de Clíssia Morais e a um grupo de atores e atrizes que se entregam ao projeto, propõe uma poética cênica enxuta e inspirada, em que, a despeito da dominância do verbo, o espaço concreto e material logra sustentar aquele imaginário de encantamento e loucura.
"Jaguar Cibernético" é uma experiência divertida para quem não teme o delírio.

JAGUAR CIBERNÉTICO
QUANDO Banquete Tupinambá, qua. e sex., às 20h; Aborígene em Metrópolis, qua. e sex., às 21h15; Xamanismo - The Conection, qui. e sáb., às 20h; Floresta de Carbono - De Volta ao Paraíso Perdido, qui. e sáb., às 21h30; até 13/8
ONDE Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 3871-7700)
QUANTO R$ 4 a R$ 16
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


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