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São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003

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TEATRO

Em "Chão de Barros", Frederico Foroni faz um campeonato de citações, com trechos de várias obras do autor

Poesia de Manoel de Barros desafia direção

Chris von Ameln - 10.jan.2003/Folha Imagem
Cena do espetáculo "Chão de Barros", peça inspirada na obra poética de Manoel de Barros, com dramaturgia e direção de Frederico Foroni, em temporada no CCSP


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Não é tarefa fácil encenar poesia. Em geral, ou se cai na declamação ou se adapta a poesia em narrativa, forçando para que impressões fugazes se tornem conflitos dramáticos. Nos dois casos, há diluição. A saída seria conseguir com as imagens cênicas o mesmo deslocamento que o poeta obtém com as palavras. Mas esse estranhamento do mundo é uma proeza para poucos.
O fato de Frederico Foroni encarar o desafio já em sua segunda encenação (a primeira foi "A Bicicleta do Condenado", de Arrabal, em 2001) é prova de uma saudável ousadia. Além disso, Foroni está bem cercado, já que este "Chão de Barros" foi concebido enquanto montagem curricular do Departamento de Artes Cênicas da USP. Por isso, Foroni merece ser levado a sério, enquanto um candidato ao primeiro time, e não ser tratado com condescendência.
Assinando também cenografia e iluminação, o encenador sabe construir imagens fortes, com alguns bons achados, como o guarda-chuva/refletor, e arrisca a multimídia, com a projeção de Carlitos fechando o espetáculo. Nem por isso, enquanto adaptador, toma o texto como mero pretexto para suas invenções: tanto ele quanto os atores demonstram uma paixão autêntica pela obra de Manoel de Barros.
Barros, no entanto, não é autor fácil de se capturar no palco. Seu projeto poético de recusar qualquer narrativa, citado textualmente várias vezes no espetáculo ("Queria o livro que não tem quase tema e se sustente só pelo estilo"), dificilmente se sustentaria no palco, se aplicado à risca: irresistivelmente, o público procura atribuir a cada imagem um sentido lógico, naquilo que Pavis chama de "vetorização do desejo".
Foroni sabe disso, e urdiu para seu espetáculo uma trama simples, que une os trechos escolhidos entre vários livros de Barros. Após a morte do pai, angustiado com a morte, o poeta revê sua vida ao voltar à fazenda da infância. O poeta se desdobra não só em um alter ego gêmeo, mas se projeta nas figuras populares que revê.
É aí que estilo atropela a trama. Como um tempero forte demais, frases como "quando o rio está começando um peixe, ele me coisa, ele me rã, ele me árvore" dão o mesmo gosto a todos os personagens, e o diálogo com Andalécio, por exemplo, redunda em um campeonato de citações. Não há frase que não seja poética, e os atores, embora ágeis, sem situação dramática para se apoiar, flertam com a declamação.
Esgarçado em fragmentos, o espetáculo se habilita a agradar aos fãs de Barros, mas não se constitui em uma poética cênica autônoma. Mais se espera da ousadia e capacidade de Frederico Foroni.


Chão de Barros   
Dramaturgia e direção: Frederico Foroni
Com: Roberto Leite, Márcio Araújo e outros
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611, r. 250)
Quando: de ter. a qui., às 21h; até 27/2
Quanto: R$ 12



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