São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2006

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Crítica/teatro

Bonassi aborda o virtuosismo da palavra em 13 monólogos

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Malú Bierrenbach em cena da peça "Centro Nervoso", que está em cartaz no Sesc Consolação


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Fernando Bonassi é daqueles jogadores de sinuca que cantam a caçapa, por fé no taco e na beleza do jogo. Transitando por roteiros e romances, crônicas e poemas, sonha há anos com uma síntese entre a palavra escrita e a falada, um gênero inaugural de interstícios.
Neste espetáculo, distribui já na entrada o texto integral para o público tomar a lição, acompanhando como alguém da produção a alma que o ator acrescenta à partitura impressa. São 13 monólogos para quatro atores, apresentados em contagem regressiva, sinalizados por letreiros em cena, reaproveitados de textos já publicados ou feitos sob medida.
O que salta aos olhos, nesta empreitada, é que a nova função de diretor de Bonassi não lhe pesa em nada. Sabe com mão firme o que quer, incorporando acasos de ensaio, como um teatro que expusesse os avessos: a coxia está sempre presente, com os seus atores atentos.

Requinte conceitual
No entanto, sua estética não é ao acaso: concebe o território de jogo com requintes conceituais, com quatro espelhos que basculam e pivotam, criando fantasmas e labirintos com eficácia e grande beleza, graças à cumplicidade precisa da direção de arte de Daniela Garcia e a luz de Alessandra Domingues, além da preciosa trilha de Marcello Pelegrini.
Bonassi, no entanto, tem o currículo repleto de dramaturgias participativas para saber que o ator é o dono do negócio. Todo esse minimalismo high-tech está assim a serviço da verve de Paschoal da Conceição, que insere referências com o "aplomb" de um Pelé cruciverbista, alternando com o terno cinismo de Malú Bierrenbach, a desenvoltura de Eucir de Souza, apto a assumir a função de diretor em uma cena em que assaltante e assaltado cruzam seus mundos, e Thereza Piffer, uma Consuelo Leandro lírica, que faz uma Medéia suburbana em uma cena que é bom exemplo do que Bonassi tem de melhor: o retrato instantâneo.
Mas que ninguém espere um nexo claro. Trata-se de um exercício metalingüístico sobre o texto na mão do ator, e sua verve barroca extrapola a sátira política que se subentende para se tornar um valor em si, devorando a sim mesma antes de se decifrar. Apesar do bom trabalho da dramaturgista Luciene Guedes, não raro um autodeslumbre acaba impermeabilizando o espetáculo.
É como se os espelhos aprisionassem as palavras em ecos narcísicos e no atropelo dos trocadilhos, sôfregas de referências eufônicas, e desconstruções iônicas, e cruzamentos telefônicos, rumassem ao trava-línguas do rap se apartando intrépidas das rédeas do sentido. Contagioso. Mas do que é que se falava mesmo?

CENTRO NERVOSO    
Texto e direção:
Fernando Bonassi
Com: Eucir de Souza, Thereza Piffer
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até 9/7
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, região central, tel. 3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 20


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