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Oitentação
Prestes a completar 80 anos , Décio Pignatari não quer celebrar data nem cinqüentenário da poesia concreta ; ele diz que não guarda rancor do inimigo íntimo Ferreira Gullar, critica a arquitetura e vê vanguardismo na moda
Jonas Oliveira/Folha Imagem
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O poeta Décio Pignatari, em Curitiba, onde vive desde 1999 |
EDUARDO SIMÕES
NOEMI JAFFE
ENVIADOS ESPECIAIS A CURITIBA
No dia 20 deste mês, o poeta,
dramaturgo, crítico, tradutor e
professor Décio Pignatari chega aos 80 anos, firme no propósito de fugir de homenagens à
efeméride pessoal. E também
às profissionais. Convidado para participar de uma exposição
sobre os 50 anos da poesia concreta, que será aberta dia 15, no
Instituto Tomie Ohtake, Pignatari já avisou que não vai. Mas
está colaborando com o evento
para o qual realizou uma série
de gravações de seus poemas.
O concretista pretendia passar o aniversário na Cidade do
México, ao lado do segundo neto, Rafael, que faz um ano no
dia 19. Como não conseguiu tirar o visto a tempo, ficará em
Curitiba, onde vive desde 1999.
"Vou passar aqui tomando um
champanhe português, na
tranqüila solidão, olhando o
"big brother" Niemeyer", diz, referindo-se ao "olho" do Museu
Oscar Niemeyer, próximo de
onde mora.
No Paraná desde que se aposentou da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,
Pignatari dá aulas no mestrado
em Comunicação e Linguagem
da Universidade Tuiuti.
Avesso a rememorações e entrevistas, o poeta abriu uma generosa exceção e conversou por
mais de três horas com a Folha.
Relembrou o rompimento político e estético com os neoconcretos, movimento encabeçado
pelo poeta Ferreia Gullar. Falou sobre a segunda parte de
sua trilogia feita para o teatro,
iniciada com "Céu de Lona"
(2004), concluída há pouco
mais de um mês na Itália. Explicou ainda como será o livro
que reunirá sua correspondência com os irmãos Augusto e
Haroldo de Campos (1929-2003), com quem fundou a
poesia concreta no Brasil.
E mais: o poeta dos textos
verbais, visuais e sonoros diz
que, no Brasil, a única vanguarda que houve nos últimos tempos foi a silente moda: "Ela me
espantou. É realmente uma
linguagem de vanguarda". Por
fim, Pignatari sintetizou seus
80 anos numa de suas caras palavras-valise: "oitentação".
Leia a seguir a entrevista.
FOLHA - O senhor e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos serão
homenageados a partir do dia 15 de
agosto com uma exposição no Instituto Tomie Ohtake sobre a poesia
concreta. Pretende vir a São Paulo?
DÉCIO PIGNATARI - Eu não vou. Já
avisei ao [curador] Walter Silveira. Eu não sou contra. Falo
apenas: "Vocês usem o material, façam, podem fotografar.
Não gosto muito de homenagens e não participo. Recentemente, por acaso, fizeram uma
homenagem a mim da qual eu
gostei, aqui na Universidade
Tuiuti do Paraná, onde eu estou já há oito anos. Eu revi toda
a minha gente, alunos ou colegas, de São Paulo e Rio. Fizeram uma homenagem visual
que me agradou. Primeiro, porque os dois [organizadores] tinham sido alunos meus. Os melhores alunos que tive, não só
aqui, mas em toda pós-graduação nos últimos 30 e tantos
anos. Mas não quero saber de
comemoração.
FOLHA - A idéia de reconhecimento
não interessa ao senhor? Não se incomoda, por exemplo, com o fato de
Ferreira Gullar, que assinou em
1959 o "Manifesto Neoconcreto",
ser mais aceito pela academia e pela
crítica geral como um grande poeta
brasileiro, ao passo que a poesia
concreta não tem o mesmo espaço?
PIGNATARI - Não me incomodo.
É algo natural. O signo novo é
sempre minoritário.
FOLHA - Mas até hoje?
PIGNATARI - Sim, porque ele
[Gullar] fez de tudo, ele ingressou no Partidão [comunista].
Inicialmente até chegamos a
trabalhar juntos. Mas, posteriormente, acho que o Gullar
repensou: "Eu tenho condições
de ser o dom Pablito Neruda do
Brasil". Então ele entrou para o
Partidão, porque, para você fazer carreira, o Partidão era ótimo, tinha meios de promover.
Falando aquela linguagem social e politicamente correta, você tinha muito mais chance.
FOLHA - Como foi o rompimento
com Gullar?
PIGNATARI - Nós fomos inimigos íntimos, o Gullar e eu. Mas
eu não briguei com ele pessoalmente. Eu brigo e depois dou
risada, não quero saber de
guardar rancor pessoal. Não é
necessário publicar, mas o [o
poeta Manuel] Bandeira certa
vez falou: "O Gullar estava se
afogando, e vocês [os concretos] o puxaram pelo cabelo". O
Gullar é uma espécie de buscapé sem o rabo, que de repente
você não sabe para que lado vai.
Ele já percorreu todos os caminhos. Ele tinha talento, publicou "A Luta Corporal", que é
um livro importante, que antecedeu a nossa publicação. Mas
o "Manifesto Neoconcreto",
depois, não foi um rompimento. Foi luta pelo poder. Depois
que o [poeta] Mário Faustino
[1930-1962], que estava no
"Jornal do Brasil", morreu, aí o
Gullar e os cariocas tomaram o
poder e fizeram o racha.
FOLHA - Quais eram as diferenças
políticas e estéticas entre o grupo
paulista e Gullar?
PIGNATARI - O Gullar tinha de
fazer versos, não podia fazer
poesia concreta. Eu queria poesia concreta participante. E fiz,
escrevi a "Stela Cubana Número Quatro" apoiando Fidel Castro. Mas eu queria um engajamento seguindo o que dizia
Maiakóvski, ou seja: "Não há
obra revolucionária sem forma
revolucionária". Era isso o que
nós seguíamos e acrescentamos ao "Plano Piloto" da poesia
concreta. Em 1965, no entanto,
depois que surgiu a ditadura
brasileira, nós tomamos uma
posição de formação de frente
ampla. Eu falei: "Chega de briga". E fui falar com o Gullar.
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