São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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Oitentação

Prestes a completar 80 anos , Décio Pignatari não quer celebrar data nem cinqüentenário da poesia concreta ; ele diz que não guarda rancor do inimigo íntimo Ferreira Gullar, critica a arquitetura e vê vanguardismo na moda

Jonas Oliveira/Folha Imagem
O poeta Décio Pignatari, em Curitiba, onde vive desde 1999


EDUARDO SIMÕES
NOEMI JAFFE
ENVIADOS ESPECIAIS A CURITIBA

No dia 20 deste mês, o poeta, dramaturgo, crítico, tradutor e professor Décio Pignatari chega aos 80 anos, firme no propósito de fugir de homenagens à efeméride pessoal. E também às profissionais. Convidado para participar de uma exposição sobre os 50 anos da poesia concreta, que será aberta dia 15, no Instituto Tomie Ohtake, Pignatari já avisou que não vai. Mas está colaborando com o evento para o qual realizou uma série de gravações de seus poemas.
O concretista pretendia passar o aniversário na Cidade do México, ao lado do segundo neto, Rafael, que faz um ano no dia 19. Como não conseguiu tirar o visto a tempo, ficará em Curitiba, onde vive desde 1999.
"Vou passar aqui tomando um champanhe português, na tranqüila solidão, olhando o "big brother" Niemeyer", diz, referindo-se ao "olho" do Museu Oscar Niemeyer, próximo de onde mora.
No Paraná desde que se aposentou da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Pignatari dá aulas no mestrado em Comunicação e Linguagem da Universidade Tuiuti.
Avesso a rememorações e entrevistas, o poeta abriu uma generosa exceção e conversou por mais de três horas com a Folha.
Relembrou o rompimento político e estético com os neoconcretos, movimento encabeçado pelo poeta Ferreia Gullar. Falou sobre a segunda parte de sua trilogia feita para o teatro, iniciada com "Céu de Lona" (2004), concluída há pouco mais de um mês na Itália. Explicou ainda como será o livro que reunirá sua correspondência com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos (1929-2003), com quem fundou a poesia concreta no Brasil.
E mais: o poeta dos textos verbais, visuais e sonoros diz que, no Brasil, a única vanguarda que houve nos últimos tempos foi a silente moda: "Ela me espantou. É realmente uma linguagem de vanguarda". Por fim, Pignatari sintetizou seus 80 anos numa de suas caras palavras-valise: "oitentação".
Leia a seguir a entrevista.

 

FOLHA - O senhor e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos serão homenageados a partir do dia 15 de agosto com uma exposição no Instituto Tomie Ohtake sobre a poesia concreta. Pretende vir a São Paulo?
DÉCIO PIGNATARI -
Eu não vou. Já avisei ao [curador] Walter Silveira. Eu não sou contra. Falo apenas: "Vocês usem o material, façam, podem fotografar. Não gosto muito de homenagens e não participo. Recentemente, por acaso, fizeram uma homenagem a mim da qual eu gostei, aqui na Universidade Tuiuti do Paraná, onde eu estou já há oito anos. Eu revi toda a minha gente, alunos ou colegas, de São Paulo e Rio. Fizeram uma homenagem visual que me agradou. Primeiro, porque os dois [organizadores] tinham sido alunos meus. Os melhores alunos que tive, não só aqui, mas em toda pós-graduação nos últimos 30 e tantos anos. Mas não quero saber de comemoração.

FOLHA - A idéia de reconhecimento não interessa ao senhor? Não se incomoda, por exemplo, com o fato de Ferreira Gullar, que assinou em 1959 o "Manifesto Neoconcreto", ser mais aceito pela academia e pela crítica geral como um grande poeta brasileiro, ao passo que a poesia concreta não tem o mesmo espaço?
PIGNATARI -
Não me incomodo. É algo natural. O signo novo é sempre minoritário.

FOLHA - Mas até hoje?
PIGNATARI -
Sim, porque ele [Gullar] fez de tudo, ele ingressou no Partidão [comunista]. Inicialmente até chegamos a trabalhar juntos. Mas, posteriormente, acho que o Gullar repensou: "Eu tenho condições de ser o dom Pablito Neruda do Brasil". Então ele entrou para o Partidão, porque, para você fazer carreira, o Partidão era ótimo, tinha meios de promover. Falando aquela linguagem social e politicamente correta, você tinha muito mais chance.

FOLHA - Como foi o rompimento com Gullar?
PIGNATARI -
Nós fomos inimigos íntimos, o Gullar e eu. Mas eu não briguei com ele pessoalmente. Eu brigo e depois dou risada, não quero saber de guardar rancor pessoal. Não é necessário publicar, mas o [o poeta Manuel] Bandeira certa vez falou: "O Gullar estava se afogando, e vocês [os concretos] o puxaram pelo cabelo". O Gullar é uma espécie de buscapé sem o rabo, que de repente você não sabe para que lado vai. Ele já percorreu todos os caminhos. Ele tinha talento, publicou "A Luta Corporal", que é um livro importante, que antecedeu a nossa publicação. Mas o "Manifesto Neoconcreto", depois, não foi um rompimento. Foi luta pelo poder. Depois que o [poeta] Mário Faustino [1930-1962], que estava no "Jornal do Brasil", morreu, aí o Gullar e os cariocas tomaram o poder e fizeram o racha.

FOLHA - Quais eram as diferenças políticas e estéticas entre o grupo paulista e Gullar?
PIGNATARI -
O Gullar tinha de fazer versos, não podia fazer poesia concreta. Eu queria poesia concreta participante. E fiz, escrevi a "Stela Cubana Número Quatro" apoiando Fidel Castro. Mas eu queria um engajamento seguindo o que dizia Maiakóvski, ou seja: "Não há obra revolucionária sem forma revolucionária". Era isso o que nós seguíamos e acrescentamos ao "Plano Piloto" da poesia concreta. Em 1965, no entanto, depois que surgiu a ditadura brasileira, nós tomamos uma posição de formação de frente ampla. Eu falei: "Chega de briga". E fui falar com o Gullar.


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