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200 anos depois
Tataraneto de d. Pedro 2º, "dom Joãozinho" pede que legado da monarquia seja reavaliado no aniversário da chegada da corte ao Brasil
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PARATY
A poucos meses do aniversário de 200 anos da chegada da
família real portuguesa ao Brasil, o príncipe d. João Henrique
de Orleans e Bragança, 53, diz
que ainda nada contra a corrente quando tem de justificar os
atos de seus antepassados.
"As pessoas até hoje relacionam o legado monárquico português com o atraso. Tenho
sempre que ouvir a ladainha
mentirosa que diz que, se tivéssemos sido colonizados pela
Inglaterra, seríamos um país
melhor", disse, em entrevista à
Folha, em sua casa, em Paraty.
A efeméride, que se completará no dia 7 de março de 2008,
vai trazer de novo à tona um
dos episódios mais importantes para as interpretações da
história do Brasil contemporâneo e será comemorada com
festas, colóquios, reedições de
obras raras do período e lançamentos de novos estudos.
Para o bisneto da princesa
Isabel e tataraneto de d. Pedro
2º, também conhecido pelo
apelido de "dom Joãozinho",
essa será uma oportunidade
para que estereótipos e injustiças sejam revistos. "Do mesmo
modo como fazia sentido que o
novo sistema, a República, tentasse desconstruir os símbolos
do sistema anterior, a monarquia, hoje faz sentido que tudo
isso seja reinterpretado. O tempo passa, a poeira se assenta, e
vamos tendo uma idéia mais
límpida da realidade", diz.
D. Joãozinho é um dos vários
descendentes da família real
que chegou ao Rio de Janeiro
no dia 7 de março de 1808. A
transferência da corte resultou
de um longo processo de negociações diplomáticas entre a
coroa portuguesa e seu principal aliado político, a Inglaterra.
Fragilizado e ameaçado pela
expansão napoleônica na Europa, Portugal reavivou uma antiga idéia de levar para sua colônia mais bem-sucedida, o Brasil, o coração de seu império.
Depois da proclamação da
República, em 1889, a família
real foi para o exílio. A descendência de d. Pedro 2º só voltou
ao Brasil após a morte da princesa Isabel, em 1921. Hoje, os
Orleans e Bragança dividem-se
entre os "ramos" de Petrópolis
e de Vassouras -que conserva
o título dinástico legítimo.
D. Joãozinho vem do ramo
de Petrópolis, cidade da serra
fluminense de onde a família
imperial ainda recebe recursos.
A fazenda do Córrego Seco,
comprada por d. Pedro 1º e depois doada por d. Pedro 2º pelo
regime de enfiteuse (no qual o
proprietário cede a alguém o
domínio de determinada terra
mediante pagamento anual)
sustenta o escritório da família.
"As pessoas falam que vivemos às custas desse dinheiro, e
que ele seria indevido. Mas é
mentira. Primeiro, porque o
que vem dali não dá para nada,
e segundo porque é um contrato legal", diz. Desde que o pai de
dom Joãozinho, d. João Maria,
instalou-se em Paraty, onde o
príncipe hoje vive e administra
uma pousada, começou-se a falar de um "ramo" de Paraty.
Para o príncipe, a modéstia
nos costumes e nos gastos sempre foi uma constante na casa
dos Orleans e Bragança. "D. Pedro 2º morreu pobre em Paris e
foi enterrado com um punhado
de terra do Brasil. Meus antepassados achavam que tinham
de servir o país, não o contrário.
Nunca houve pompa na corte,
d. João 6º fazia audiências uma
vez por semana nas quais qualquer brasileiro podia ir, de pés
descalços ou bem-vestidos."
O príncipe também abre suas
portas de vez em quando, mas
para eventos mais festivos, como saraus literários ou o já tradicional almoço anual que dá
para os escritores convidados
da Festa Literária Internacional de Paraty. Em 2006, a avó
do "new journalism", a norte-americana Lilian Ross ("Filme"), encantou-se tanto com
ele que escreveu, depois, uma
reportagem sobre o personagem para a "New Yorker".
Vantagens "invisíveis"
O príncipe diz que costuma
defender o legado da família
mostrando vantagens "que para muitos são invisíveis". "Não
tivemos de lutar por território,
por unidade cultural e de idioma, porque isso nos foi dado
por d. João 6º", diz. "Quando
chegou aqui, teve uma visão óbvia, de que este seria um grande
país, unido e independente.
Nunca na história um rei saiu
do trono para colocar os pés
numa colônia como ele fez."
Se vê injustiças na avaliação
da herança política da monarquia, porém, d. Joãozinho diz
não se importar muito com os
estereótipos relacionados aos
membros da família real.
Para ele, o fato de d. Carlota
Joaquina ser retratada como
uma mulher devassa, ou de d.
João 6º ser caracterizado como
um bufão, revela um pouco do
"jeito brasileiro". "Faz parte da
nossa maneira de brincar. Eu
não condeno, é importante para nossa auto-estima. O que
não podemos é deixar que nossa identidade seja denegrida.
Por isso as releituras da história e o trabalho dos intelectuais
são tão importantes", diz.
O príncipe acha que a historiografia hoje faz mais justiça a
d. Pedro 2º e elogia trabalhos
como a biografia recém-lançada pelo historiador José Murilo
de Carvalho (Companhia das
Letras). "A República tinha medo da popularidade de d. Pedro
2º, por isso a história que se escreveu na época o mostrava debilitado pela saúde e enfraquecido politicamente", diz. "Agora, há um reconhecimento do
estadista que deu força às instituições brasileiras."
Do modo como pode, d. Joãozinho diz que tenta seguir o
exemplo do tataravô, e viaja
sempre pelo Brasil, fotografando. "Hoje, você vai a São Paulo e
lê os nomes dos edifícios em
que a elite vive, é tudo "maison
isso", "jardin aquilo", ninguém
dá bola pras coisas do Brasil.
Acho que esse é o melhor
exemplo que d. Pedro 2º deixou, de que é preciso conhecer
e valorizar as nossas coisas."
Quanto às comemorações
dos 200 anos, d. Joãozinho diz
que não quer se envolver pessoalmente, apenas observar a
festa e o debate. "Por quê? Não
posso, sou suspeito", ri.
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