São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

200 anos depois

Tataraneto de d. Pedro 2º, "dom Joãozinho" pede que legado da monarquia seja reavaliado no aniversário da chegada da corte ao Brasil

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PARATY

A poucos meses do aniversário de 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, o príncipe d. João Henrique de Orleans e Bragança, 53, diz que ainda nada contra a corrente quando tem de justificar os atos de seus antepassados.
"As pessoas até hoje relacionam o legado monárquico português com o atraso. Tenho sempre que ouvir a ladainha mentirosa que diz que, se tivéssemos sido colonizados pela Inglaterra, seríamos um país melhor", disse, em entrevista à Folha, em sua casa, em Paraty.
A efeméride, que se completará no dia 7 de março de 2008, vai trazer de novo à tona um dos episódios mais importantes para as interpretações da história do Brasil contemporâneo e será comemorada com festas, colóquios, reedições de obras raras do período e lançamentos de novos estudos.
Para o bisneto da princesa Isabel e tataraneto de d. Pedro 2º, também conhecido pelo apelido de "dom Joãozinho", essa será uma oportunidade para que estereótipos e injustiças sejam revistos. "Do mesmo modo como fazia sentido que o novo sistema, a República, tentasse desconstruir os símbolos do sistema anterior, a monarquia, hoje faz sentido que tudo isso seja reinterpretado. O tempo passa, a poeira se assenta, e vamos tendo uma idéia mais límpida da realidade", diz.
D. Joãozinho é um dos vários descendentes da família real que chegou ao Rio de Janeiro no dia 7 de março de 1808. A transferência da corte resultou de um longo processo de negociações diplomáticas entre a coroa portuguesa e seu principal aliado político, a Inglaterra. Fragilizado e ameaçado pela expansão napoleônica na Europa, Portugal reavivou uma antiga idéia de levar para sua colônia mais bem-sucedida, o Brasil, o coração de seu império.
Depois da proclamação da República, em 1889, a família real foi para o exílio. A descendência de d. Pedro 2º só voltou ao Brasil após a morte da princesa Isabel, em 1921. Hoje, os Orleans e Bragança dividem-se entre os "ramos" de Petrópolis e de Vassouras -que conserva o título dinástico legítimo.
D. Joãozinho vem do ramo de Petrópolis, cidade da serra fluminense de onde a família imperial ainda recebe recursos. A fazenda do Córrego Seco, comprada por d. Pedro 1º e depois doada por d. Pedro 2º pelo regime de enfiteuse (no qual o proprietário cede a alguém o domínio de determinada terra mediante pagamento anual) sustenta o escritório da família.
"As pessoas falam que vivemos às custas desse dinheiro, e que ele seria indevido. Mas é mentira. Primeiro, porque o que vem dali não dá para nada, e segundo porque é um contrato legal", diz. Desde que o pai de dom Joãozinho, d. João Maria, instalou-se em Paraty, onde o príncipe hoje vive e administra uma pousada, começou-se a falar de um "ramo" de Paraty.
Para o príncipe, a modéstia nos costumes e nos gastos sempre foi uma constante na casa dos Orleans e Bragança. "D. Pedro 2º morreu pobre em Paris e foi enterrado com um punhado de terra do Brasil. Meus antepassados achavam que tinham de servir o país, não o contrário. Nunca houve pompa na corte, d. João 6º fazia audiências uma vez por semana nas quais qualquer brasileiro podia ir, de pés descalços ou bem-vestidos."
O príncipe também abre suas portas de vez em quando, mas para eventos mais festivos, como saraus literários ou o já tradicional almoço anual que dá para os escritores convidados da Festa Literária Internacional de Paraty. Em 2006, a avó do "new journalism", a norte-americana Lilian Ross ("Filme"), encantou-se tanto com ele que escreveu, depois, uma reportagem sobre o personagem para a "New Yorker".

Vantagens "invisíveis"
O príncipe diz que costuma defender o legado da família mostrando vantagens "que para muitos são invisíveis". "Não tivemos de lutar por território, por unidade cultural e de idioma, porque isso nos foi dado por d. João 6º", diz. "Quando chegou aqui, teve uma visão óbvia, de que este seria um grande país, unido e independente. Nunca na história um rei saiu do trono para colocar os pés numa colônia como ele fez."
Se vê injustiças na avaliação da herança política da monarquia, porém, d. Joãozinho diz não se importar muito com os estereótipos relacionados aos membros da família real.
Para ele, o fato de d. Carlota Joaquina ser retratada como uma mulher devassa, ou de d. João 6º ser caracterizado como um bufão, revela um pouco do "jeito brasileiro". "Faz parte da nossa maneira de brincar. Eu não condeno, é importante para nossa auto-estima. O que não podemos é deixar que nossa identidade seja denegrida. Por isso as releituras da história e o trabalho dos intelectuais são tão importantes", diz.
O príncipe acha que a historiografia hoje faz mais justiça a d. Pedro 2º e elogia trabalhos como a biografia recém-lançada pelo historiador José Murilo de Carvalho (Companhia das Letras). "A República tinha medo da popularidade de d. Pedro 2º, por isso a história que se escreveu na época o mostrava debilitado pela saúde e enfraquecido politicamente", diz. "Agora, há um reconhecimento do estadista que deu força às instituições brasileiras."
Do modo como pode, d. Joãozinho diz que tenta seguir o exemplo do tataravô, e viaja sempre pelo Brasil, fotografando. "Hoje, você vai a São Paulo e lê os nomes dos edifícios em que a elite vive, é tudo "maison isso", "jardin aquilo", ninguém dá bola pras coisas do Brasil. Acho que esse é o melhor exemplo que d. Pedro 2º deixou, de que é preciso conhecer e valorizar as nossas coisas."
Quanto às comemorações dos 200 anos, d. Joãozinho diz que não quer se envolver pessoalmente, apenas observar a festa e o debate. "Por quê? Não posso, sou suspeito", ri.


Texto Anterior: Locarno verá um curta com filmes antigos de Pignatari
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.