São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2007

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Crítica/artes cênicas

Grupo Lume explora a técnica pura do palhaço

"Cravo, Lírio e Rosa" está em cartaz na Unidade Provisória Sesc Paulista

Adalberto Lima/Divulgação
Ricardo Puccetti e Carlos Simioni em "Cravo, Lírio e Rosa", do grupo Lume, em cartaz no Sesc


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A rápida passagem do grande Leo Bassi por São Paulo serviu para lembrar o quanto o ofício de palhaço está longe da triste animação de festas infantis ou da patética abordagem nos faróis.
Carregando com orgulho o fardo de bufão, que tem como responsabilidade denunciar a insânia do mundo "sério", de terno e gravata no lugar do nariz vermelho - já que uma rede de fast food usurpou o uniforme dos palhaços-, é capaz de girar um piano no ar com os pés só para demonstrar a gratuidade da arte, e ainda se questionar sobre isso.
Esse ponto de intersecção entre o teatro de vanguarda e as técnicas ancestrais de circo não depende no entanto da honrosa visita para ser apreciado: São Paulo está repleto de palhaços, no sentido nobre do termo.
Mais espetáculos
Fernando Sampaio e Domingos Montagnier continuam capitaneando a lona do Circo Zanni, agora no Memorial da América Latina, até o fim do mês. A Intrépida Trupe, em Metegol, faz homenagem ao pebolim por meio da acrobacia aérea, no teatro Santa Cruz, enquanto que Ésio Magalhães e Andréa Macera honram Shakespeare em "A Julieta e o Romeu" no teatro Fábrica São Paulo.
Mas quem busca pela técnica pura do palhaço pode encontrá-la no Sesc Paulista, em "Cravo, Lírio e Rosa", do grupo Lume. Nada de muito inovador, como nos exemplos anteriores, mas a aparente simplicidade do espetáculo é fruto de décadas de apuração.
Quem conhece Carlos Simioni de espetáculos anteriores do Lume, quase iniciáticos, vai se surpreender em vê-lo assim, entregue generosamente ao ridículo. É como se, depois do sutilíssimo "Sopro", Simioni tivesse, como um anjo nô, ultrapassado o limite ultravioleta do etéreo e ressurgisse de um buraco, no outro extremo do espectro, infravermelho, coberto de terra.
Mas ainda é o mesmo, o que comprova que o palhaço não é um espelho deformante, mas uma lente de aumento: rindo de si mesmo, faz caricatura de sua vaidade ao esticar posturas, vestindo-se de mulher para exorcizar a androginia de outras épocas, humanizando-se para continuar evoluindo.
Seu grande trunfo, no entanto, é de passar a bola. Sua função enquanto palhaço branco é dar um suporte seguro para que seu parceiro brilhe.
E como brilha. Ricardo Puccetti faz o Lume voltar a suas origens de rua, antes mesmo de Luis Otávio Burnier chegar como arquiteto da preciosa trajetória que segue até hoje.
Com a prática de contracenar ao acaso com cada um na platéia, pondo no bolso crianças e críticos, pode passar horas batendo bola, sem que o tempo passe. A maquiagem que encomprida ainda mais seu rosto faz com que se torne um moleque melancólico e desajeitado, que se diverte consigo mesmo, com uma ternura altamente sedutora.
Para quem se aflige com a agressividade e o escracho vulgar que se atribui desnecessariamente à função de palhaço, é bom dar uma passada pelo Sesc provisório. Não é sempre que se limpa a alma assim, com o essencial.

CRAVO, LÍRIO E ROSA
Quando:
sex. a dom., às 20h; até 9/9
Onde: Unidade Provisória Sesc Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 15
Avaliação: ótimo


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