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Crítica/erudito
Buchbinder conduz obras de Mozart com talento e alegria
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Três anos atrás, o pianista austríaco Rudolf Buchbinder esteve em São Paulo com a Orquestra de Câmara de Zurique para tocar e reger nada
menos que os cinco "Concertos para Piano e Orquestra"
de Beethoven (1770-1827),
em duas noites. Agora voltou, com a mesma ótima orquestra, para fazer três concertos de Mozart (1756-91),
numa noite só.
Começou com o "Concerto
em Sol Maior K. 453", obra-prima de 1784. É um dos
mais inovadores de Mozart,
com um esquema harmônico
incomum, que inclui um segundo tema modulante e
uma dramática descida para
a submediante bemol (mi bemol menor) antes da volta
para o tema principal. Isso é
linguagem para especialistas; mas qualquer ouvinte
salta da cadeira ouvindo a
mudança de harmonia, que
aparece três vezes no primeiro movimento.
No último, marcado "Allegretto", Mozart compõe uma
série de variações, bem no
espírito de ópera cômica. A
quarta delas, em modo menor, faz prodígios de cromatismo e aproveita para arrojos de orquestração, como os
primeiros violinos dobrados
duas oitavas abaixo pelos fagotes, enquanto os segundos
violinos são dobrados uma
oitava acima pelos oboés.
Exemplos assim bastam para
mostrar de que música se está falando: o paraíso das aparências sustentado pelo engenho mais sutil.
Tudo isso para entender o
modo ao mesmo tempo tão
natural e tão cultivado de
Buchbinder ao interpretar os
três concertos.
Ele é um desses artistas
que exalam domínio total da
música. Não são necessariamente os maiores músicos
do mundo; e os maiores nem
sempre têm um domínio assim. Mas aqui e ali existe
uma personalidade dessas,
capaz de se situar na música
com maestria absoluta, compreendendo tudo aparentemente sem esforço, exceto
uma dose de concentração.
Ele foi o mais jovem aluno
jamais admitido no Conservatório de Viena, aos cinco
anos de idade. Hoje com 60, é
conhecido como o intérprete
da integral para piano de
Haydn (1732-1809) e das 32
sonatas de Beethoven, sem
falar nos 27 concertos de
Mozart que ele gravou ao vivo com a Sinfônica de Viena.
A inteligência é uma virtude meio mal falada. Mas não
há outra palavra para se referir a essa capacidade, racional e sensível, de comandar
repertórios inteiros dessa ordem. Que Buchbinder o faça
com tamanha tranqüilidade
e ao mesmo tempo funda alegria - seja num concerto como o "abstrato" K. 503, em
dó maior, seja mesmo no
"trágico" K. 466, em ré menor - só aumenta nossa admiração.
A gargalhada da segunda-violinista Hiroko Takehara,
logo depois do último "Rondó", deu bem a medida do
bem-estar de todos ali, fazendo música; era a imagem
também de quem ouvia, do
lado de cá.
AVALIAÇÃO
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