São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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Crítica/erudito

Buchbinder conduz obras de Mozart com talento e alegria

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Três anos atrás, o pianista austríaco Rudolf Buchbinder esteve em São Paulo com a Orquestra de Câmara de Zurique para tocar e reger nada menos que os cinco "Concertos para Piano e Orquestra" de Beethoven (1770-1827), em duas noites. Agora voltou, com a mesma ótima orquestra, para fazer três concertos de Mozart (1756-91), numa noite só.
Começou com o "Concerto em Sol Maior K. 453", obra-prima de 1784. É um dos mais inovadores de Mozart, com um esquema harmônico incomum, que inclui um segundo tema modulante e uma dramática descida para a submediante bemol (mi bemol menor) antes da volta para o tema principal. Isso é linguagem para especialistas; mas qualquer ouvinte salta da cadeira ouvindo a mudança de harmonia, que aparece três vezes no primeiro movimento.
No último, marcado "Allegretto", Mozart compõe uma série de variações, bem no espírito de ópera cômica. A quarta delas, em modo menor, faz prodígios de cromatismo e aproveita para arrojos de orquestração, como os primeiros violinos dobrados duas oitavas abaixo pelos fagotes, enquanto os segundos violinos são dobrados uma oitava acima pelos oboés.
Exemplos assim bastam para mostrar de que música se está falando: o paraíso das aparências sustentado pelo engenho mais sutil. Tudo isso para entender o modo ao mesmo tempo tão natural e tão cultivado de Buchbinder ao interpretar os três concertos.
Ele é um desses artistas que exalam domínio total da música. Não são necessariamente os maiores músicos do mundo; e os maiores nem sempre têm um domínio assim. Mas aqui e ali existe uma personalidade dessas, capaz de se situar na música com maestria absoluta, compreendendo tudo aparentemente sem esforço, exceto uma dose de concentração.
Ele foi o mais jovem aluno jamais admitido no Conservatório de Viena, aos cinco anos de idade. Hoje com 60, é conhecido como o intérprete da integral para piano de Haydn (1732-1809) e das 32 sonatas de Beethoven, sem falar nos 27 concertos de Mozart que ele gravou ao vivo com a Sinfônica de Viena.
A inteligência é uma virtude meio mal falada. Mas não há outra palavra para se referir a essa capacidade, racional e sensível, de comandar repertórios inteiros dessa ordem. Que Buchbinder o faça com tamanha tranqüilidade e ao mesmo tempo funda alegria - seja num concerto como o "abstrato" K. 503, em dó maior, seja mesmo no "trágico" K. 466, em ré menor - só aumenta nossa admiração.
A gargalhada da segunda-violinista Hiroko Takehara, logo depois do último "Rondó", deu bem a medida do bem-estar de todos ali, fazendo música; era a imagem também de quem ouvia, do lado de cá.


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