São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

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Crítica/Cinema

"Candy" perde o rumo nas contradições do "drug movie"

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Praticamente um subgênero dentro do drama, o "drug movie", ou filme sobre drogas, a exemplo de "Candy", em cartaz na cidade, acaba levando os conflitos emocionais a níveis extremos.
É como se produções assim ficassem intoxicadas com a sua matéria-prima temática, perdendo-se em espirais descendentes.
Poucos são os diretores que injetam sutilezas no calvário de junkies sem esperanças. Trabalhar com imagens de degradação humana não é suficiente para traduzir na tela o desespero e as contradições do vício.
Em sua estréia no cinema, Neil Armfield, australiano mais ligado ao mundo do teatro, adapta um best-seller local de tintas autobiográficas e fica no meio-termo. Ao mesmo tempo em que repisa chavões do gênero, o diretor tenta se aproximar do melodrama.
Candy (Abbie Cornish) é uma garota de classe média, aspirante a artista plástica e em constantes conflitos com os pais. Dan (Heath Ledger) é o seu novo namorado e narrador da história. É esse rapaz, tolo, egoísta e poeta de quinta categoria quem vai introduzir a moça no vício da heroína.
Armfield busca uma certa transcendência em seu trabalho ao dividir a trama em três segmentos distintos: "céu", "terra" e "inferno", na seqüência, para reforçar a idéia de queda moral e física do casal.
Parece, no entanto, tímido ao não explorar as possibilidades que tendem para o surrealismo de produções similares, como "Drug store Cowboy" e "Train spotting". O filme explora pouco, por exemplo, a sugestão de que Dan e Candy são uma espécie de Adão e Eva num mundo que lhes virou a cara.
"Candy" prefere fincar seus pés num realismo frouxo.
Nesse caso, cenas de junkies preparando suas seringas e injetando heroína acabam se revestindo de inevitável tom moral, acusatório.
Quando caem do êxtase dos hormônios naturais da paixão inicial e das drogas, Candy e Dan chegam a uma terra de pouco glamour.
O dinheiro não tarda a acabar. Como dois inaptos para o trabalho que são, logo partem para a marginalidade.
Dan começa a viver de furtos, e Candy encontra na prostituição alguns trocados para sustentar o vício. Mesmo que algumas cenas pareçam estar lá só para chocar, principalmente no horripilante momento em que Candy sofre um aborto, o longa escapa da espetacularização barata do deplorável "Réquiem para um Sonho".
O filme de Armfield ganha um rumo quando os atores, principalmente a dupla central, começam a tomar consciência de que suas atuações superam a trama. A partir desse momento, ganha força a opção de Armfield de transformar "Candy" em um grande melodrama.
Dan e Candy buscam para si um amor puro e radiante, como a droga que corre em suas veias.
Pouco sabem que o êxtase é passageiro e que o que era no começo sonho logo se transformará numa lembrança melancólica. Nada é doce no mundo de "Candy".


CANDY   
Direção:
Neil Armfield
Produção: Austrália, 2006
Com: Heath Ledger, Abbie Cornish
Quando: em cartaz no Unibanco Arteplex


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