São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009

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Crítica

"Vitus" oscila do tom de fábula moral ao discurso engajado anticapitalismo

Divulgação
Os atores Julika Jenkins e Fabrizio Borsani, em cena de "Vitus"

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Filmes com crianças estão entre as soluções mais simples para encantar plateias sem precisar de muito esforço. Um olhar infantil ou um gesto sempre provoca emoções nas quais embarcamos com facilidade. "Vitus", produção suíça dirigida por Fredi M. Murer, explora essa vantagem sem se limitar a ela.
Vitus é um garoto superdotado cuja família descobre, desde cedo, as habilidades, colocando-o num altar do qual o garoto vai tentar escapar. Do ponto de vista infantil, essa diferença equivale à de um animal de zoológico, atração em reuniões sociais e dificuldades no relacionamento com seus pares e com adultos aos quais sua presença especial se impõe.
É dessa perspectiva que "Vitus" extrai bons momentos, com um olhar sobre o mundo cheio de regras no qual se expõe muito do que há de anômalo na nossa "normalidade". Os melhores são aqueles em que nos encontramos a sós com o personagem, em que nos identificamos com seu estranhamento. A certa altura, contudo, o filme promove uma ruptura que conduz à reordenação do protagonista às fileiras dos "normais", expondo nossas insuficiências seja na falta de talentos especiais, seja sob a forma de carências afetivas, o que leva Vitus, por exemplo, a descobrir o amor.
Trata-se também de uma mutação simbólica, que coincide com a mudança física do ator central, vivido por dois intérpretes, um na infância, outro na adolescência. A partir daí, "Vitus" muda também de fábula moral ligeira para um tom discursivo engajado sobre as desordens do capitalismo. De um lado mostra o pai do garoto como vítima de tempos instáveis no emprego e, de outro, o avô, figura da liberdade que ocupa um papel duplo na segunda parte, dedicada a ironizar a irracionalidade da manipulação financeira.
Entretanto, por mais que a inadequação de Vitus promova uma crítica descompromissada às regras de um mundo ao expor nossos absurdos, a trajetória que o filme reserva ao personagem o conduz à assimilação dessas mesmas regras. Ao culminar com a apoteose dos talentos especiais do personagem, "Vitus" abandona o esforço de distinguir a insubordinação para submetê-la às raias da domesticação com o elogio final ao sucesso.


VITUS
Produção: Suíça, 2006
Direção: Fredi M. Murer
Com: Julika Jenkins e Urs Jucker
Classificação: livre
Onde: estreia amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: regular



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