São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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Crítica/ teatro/ "A Tempestade"

Atores garantem estilo próprio em Shakespeare "difícil"

Encenada por Beth Lopes e com atuação da Cia. Teatro em Quadrinhos, peça apresenta recursos visuais vigorosos

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A Cia. de Teatro em Quadrinhos desenvolveu o método de construir espetáculos a partir das ações descobertas pelos atores em sala de ensaio. A encenação de "A Tempestade", de Shakespeare, é seu maior desafio em fase recente -quando encenou três espetáculos nesta mesma perspectiva.
Supostamente último texto escrito pelo autor inglês e, desde a primeira publicação de suas peças, em 1623, o que encabeça as edições das obras completas, "Tempestade" é uma peça rara em vários sentidos e encená-la é sempre um jogo arriscado.
Shakespeare criou uma peça sem trama, ou sem ação dramática propriamente, já que, desde a primeira cena, o que se vê e se ouve é a ilusão provocada pelo mago Próspero em seus antigos inimigos, para que julguem ter sofrido um naufrágio.
Os fatos que enredam estas vítimas de uma tempestade ilusória com Próspero ocorreram no passado. Eles e os outros habitantes da ilha onde se refugiam os náufragos, Miranda e Caliban -híbrido de homem selvagem e monstro marinho- , estão em um presente encantado, onde as leis naturais estão suspensas e prevalece a mágica de Ariel, um espírito submetido pela sabedoria hermética de Próspero.
A ação ocorre na intimidade do mago e se precipita nas invisíveis investidas do espírito, personagem com baixa subjetividade, mas grande poder de realização. Sua relação com o mago lembra a do cenotécnico/contra-regra que realiza as pretensões de um encenador.

Estilo
A encenadora Beth Lopes constituiu um estilo próprio ao criar a matéria cênica por meio do trabalho inventivo e rigoroso dos atores. Ela vence a aposta de encarar esta peça, ao mesmo tempo singela e enigmática, com perdas e ganhos.
Os ganhos estão na disponibilidade e energia de Aura Cunha, Eduardo Mossri, Maria Helena Chira e Leonardo Moreira, que sozinhos interpretam todos os personagens, atuando com caracterizações fortes e um jogo interno dos duplos ou triplos em que se desdobram.
O momento mais interessante é, quando, já no final, numa cena de reconhecimento hilária, cada um deles tem que atender ao encontro das duplas e trincas de personagens que tinham aparecido isoladas ao longo do espetáculo. As perdas, inevitáveis em jogos de risco, estão na convivência de uma estratégia de falas apressadas e urgentes com um texto que, na ausência de uma ação nítida, narra a saga em curso e é a principal referência do espectador para acompanhá-la.
A encenação conta com recursos visuais poderosos, mas que não colaboram plenamente na narrativa, por permanecerem em demasia alegóricos.
A beleza e o impacto das imagens iniciais projetadas não se confirmam na festa dos espíritos que celebra o casamento de Miranda, transportada para uma situação urbana da noite paulistana. A grandiosidade do cenário -um gigantesco depósito de lixo informático- e o recurso de utilizar estes restos como adereços não atendem às intenções de aproximar a "Tempestade", de Shakespeare, da fugacidade do espaço cibernético.
Afora uma troca de mensagens dos enamorados, a metáfora do mundo virtual permanece descolada da cena.
Em compensação, há o belo desenho de luz de Marisa Bentivegna, os figurinos graciosos de Theodoro Cochrane e a música eficaz de Marcelo Pellegrini, que garantem ao espetáculo um brilho inegável.


A TEMPESTADE
Quando: qua., qui. e sáb. às 21h; dom., às 19h; até 14/12
Onde: teatro do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7405)
Quanto: grátis às quartas, quintas e aos domingos (distribuição de ingressos a partir das 12h, às qua. e qui., e a partir das 11h, aos dom.); R$ 10 (sáb.)
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: bom



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