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Crítica/ teatro/ "A Tempestade"
Atores garantem estilo próprio em Shakespeare "difícil"
Encenada por Beth Lopes e com atuação da Cia. Teatro
em Quadrinhos, peça apresenta recursos visuais vigorosos
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
A Cia. de Teatro em Quadrinhos desenvolveu o
método de construir
espetáculos a partir das ações
descobertas pelos atores em sala de ensaio. A encenação de
"A Tempestade", de Shakespeare, é seu maior desafio em
fase recente -quando encenou
três espetáculos nesta mesma
perspectiva.
Supostamente último texto
escrito pelo autor inglês e, desde a primeira publicação de
suas peças, em 1623, o que encabeça as edições das obras
completas, "Tempestade" é
uma peça rara em vários sentidos e encená-la é sempre um
jogo arriscado.
Shakespeare criou uma peça
sem trama, ou sem ação dramática propriamente, já que, desde a primeira cena, o que se vê e
se ouve é a ilusão provocada pelo mago Próspero em seus antigos inimigos, para que julguem
ter sofrido um naufrágio.
Os fatos que enredam estas
vítimas de uma tempestade ilusória com Próspero ocorreram
no passado. Eles e os outros habitantes da ilha onde se refugiam os náufragos, Miranda e
Caliban -híbrido de homem
selvagem e monstro marinho-
, estão em um presente encantado, onde as leis naturais estão
suspensas e prevalece a mágica
de Ariel, um espírito submetido
pela sabedoria hermética de
Próspero.
A ação ocorre na intimidade
do mago e se precipita nas invisíveis investidas do espírito,
personagem com baixa subjetividade, mas grande poder de
realização. Sua relação com o
mago lembra a do cenotécnico/contra-regra que realiza as
pretensões de um encenador.
Estilo
A encenadora Beth Lopes
constituiu um estilo próprio ao
criar a matéria cênica por meio
do trabalho inventivo e rigoroso dos atores. Ela vence a aposta de encarar esta peça, ao mesmo tempo singela e enigmática,
com perdas e ganhos.
Os ganhos estão na disponibilidade e energia de Aura Cunha, Eduardo Mossri, Maria
Helena Chira e Leonardo Moreira, que sozinhos interpretam todos os personagens,
atuando com caracterizações
fortes e um jogo interno dos
duplos ou triplos em que se
desdobram.
O momento mais interessante é, quando, já no final, numa
cena de reconhecimento hilária, cada um deles tem que
atender ao encontro das duplas
e trincas de personagens que tinham aparecido isoladas ao
longo do espetáculo. As perdas,
inevitáveis em jogos de risco,
estão na convivência de uma
estratégia de falas apressadas e
urgentes com um texto que, na
ausência de uma ação nítida,
narra a saga em curso e é a principal referência do espectador
para acompanhá-la.
A encenação conta com recursos visuais poderosos, mas
que não colaboram plenamente na narrativa, por permanecerem em demasia alegóricos.
A beleza e o impacto das imagens iniciais projetadas não se
confirmam na festa dos espíritos que celebra o casamento de
Miranda, transportada para
uma situação urbana da noite
paulistana. A grandiosidade do
cenário -um gigantesco depósito de lixo informático- e o recurso de utilizar estes restos
como adereços não atendem
às intenções de aproximar a
"Tempestade", de Shakespeare, da fugacidade do espaço
cibernético.
Afora uma troca de mensagens dos enamorados, a metáfora do mundo virtual permanece descolada da cena.
Em compensação, há o belo
desenho de luz de Marisa Bentivegna, os figurinos graciosos
de Theodoro Cochrane e a música eficaz de Marcelo Pellegrini, que garantem ao espetáculo
um brilho inegável.
A TEMPESTADE
Quando: qua., qui. e sáb. às 21h; dom.,
às 19h; até 14/12
Onde: teatro do Sesi (av. Paulista,
1.313, tel. 3146-7405)
Quanto: grátis às quartas, quintas e
aos domingos (distribuição de ingressos a partir das 12h, às qua. e qui., e a
partir das 11h, aos dom.); R$ 10 (sáb.)
Classificação: não indicado a menores
de 12 anos
Avaliação: bom
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