São Paulo, quinta-feira, 05 de novembro de 2009

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Crítica/"O Capitão e a Sereia"

Peça reúne inventividade e tradição para vivificar teatro

Desempenho dos atores e direção precisa revelam beleza com recursos mínimos

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Os atores da Cia. Clowns de Shakespeare, em cartaz em SP

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A invenção é a mãe do mundo ou, pelo menos, é a grande geradora do melhor teatro. O espetáculo "O Capitão e a Sereia", que faz sua estreia nacional em São Paulo, é um dos mais inventivos da temporada.
A peça parte de um livro infantil e de referências da cultura popular nordestina para construir uma reflexão contundente sobre o fazer teatral contemporâneo, além de encher os olhos do público de exuberante beleza com um mínimo de recursos.
A Cia. Clowns de Shakespeare enfrentou, depois de trajetória de 15 anos atuando no Nordeste e do reconhecimento mais recente no Sudeste, uma crise de crescimento que se revelou benéfica.
Deixando de lado as abordagens, sempre vigorosas, da tradição shakesperiana, teve de se reciclar e optou pela versão de André Neves sobre como surgiu o Cavalo-Marinho, folguedo nordestino de grande impacto cênico.
Além da adaptação do livro ilustrado de André Neves, realizada pelo encenador Fernando Yamamoto e pelos atores, entrou na composição da dramaturgia um exame radical da situação do grupo e do atual momento em que vivem as trupes brasileiras.
A história de Marinho, o menino sertanejo que sonha com o mar e se imagina em aventuras marítimas, se torna a narrativa sobre a trupe Tropega Mas Não Escorrega, cujo líder, ao ver o mar de perto, desapareceu.
O mote serve bem a um jogo narrativo dos atores, que oscilam entre serem personagens da trupe ficcional ou narradores distanciados da tentativa daqueles de enganar o público, escondendo que seu capitão sumiu do mapa.
O que se narra é, então, ora a saga de uma trupe desnorteada, ora a reflexão fria sobre essa situação dramática que, durante o desenrolar do espetáculo, se escancara. A resultante, que converge para o desfecho da história original de Neves, ela própria síntese de um rico processo de formação cultural, é uma renovação dos procedimentos do teatro épico plena de frescor e inteligência.


Artistas completos
Esse êxito artístico está fundado fortemente no desempenho extraordinário dos quatro atuadores, as atrizes Camille Carvalho e Renata Kaiser e os atores César Ferrário e Marco França, este também responsável pela excelente direção musical da peça.
Artistas completos, eles cantam, tocam, dançam e atuam muito bem, o que torna possível desenvolver com sutileza e brilho o jogo de idas e vindas entre a ficção e a atualidade da cena.
Colaboram, também, decisivamente, no encantamento sem truques do espetáculo, a cenografia e os figurinos de Wanda Scarri. Com algumas lonas estendidas no centro da cena e adereços tão simples quanto maravilhosos, ela contextualiza com eficácia e brilho todas as tramas que se enredam.
Nesse conjunto de acertos, há que destacar a direção de Fernando Yamamoto, que se revela um encenador maduro e detalhista. Sua encenação é um exemplo inspirador de como a dramaturgia e a cena podem ser tecidas coletivamente com ganhos generalizados.
É um caso em que inventividade e tradição se aliam para vivificar o teatro.


O CAPITÃO E A SEREIA

Quando: qui. e sáb., às 20h; sex., às 16h e às 20h; dom., às 19h; até 29/11
Onde: Centro Cultural Sesi Vila Leopoldina (r. Carlos Weber, 835, tel. 3833-1092)
Quanto: entrada franca
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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