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Crítica/teatro/"Arrufos"
Sem insistir em fórmulas testadas, peça consagra estilo do Grupo XIX
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
O Grupo XIX, assim como o Espanca! (de Belo
Horizonte), conheceu
a dor e a delícia de ser consagrado em seu primeiro trabalho, e,
à maneira de uma mãe adolescente, teve que dar conta da
responsabilidade.
"Hysteria", o primogênito,
rodou o mundo; "Hygiene"
cumpriu seu papel de não-tão-bom segundo filho; e agora, o
recém-nascido "Arrufos" cumpre sua sina específica, a de
consagrar um estilo, correspondendo à expectativa da platéia que fidelizou, mas sem se
esvaziar na repetição de fórmulas bem-sucedidas.
É claro que não são descartáveis as conquistas difíceis, como a delicada técnica de interação estabelecida com a platéia
(a qual, quase hipnotizada, expõe-se com todo seu amor-próprio preservado); nem tampouco a dicção (anacronicamente
moderna) de acento machadiano, que reabilita o y da "lágryma" com o saudosismo de Teixeira de Pascoaes.
A novidade aqui é o espaço.
Com sua vocação restauradora,
o Grupo XIX já despertou os
ecos de velhas casas pelo mundo, que abrigaram o sanatório
feminino de "Hysteria" e, em
"Hygiene", tomou para si o resgate de toda uma comunidade
esquecida, a Vila Zélia, sede da
companhia.
Agora, o tema do conflito
amoroso é enquadrado na dimensão íntima da tela de Belmiro de Almeida, de 1887, da
qual empresta o título e partes
do cenário -as almofadas, lâmpadas e drapeados que acolhem
o público.
A questão urbana se recolhe
na alcova burguesa: falar de
amor equivale a colocar o olho
na fechadura.
Gêneros incompatíveis
A eterna incompatibilidade
entre os gêneros que o quadro
parece proclamar -e que o grupo estaria endossando ao distanciar os homens na platéia de
"Hysteria" e ao atribuir a eles
uma função castradora na dramaturgia de "Hygiene"- é suavizada agora na obrigação de o
público se dispor em pares ao
acaso, o que serve de base a várias improvisações.
Ao assumir com voz firme a
sua vulnerabilidade, o elenco
masculino se nivela às interpretações do feminino, no qual
brilha uma amante abandonada oculta em lençóis, remetendo a Magritte, criação da sempre inesquecível Sara Antunes.
Por outro lado, na arqueologia do desejo, os limites do século 19 são expandidos, partindo de uma severa primeira parte ainda árida do patriarcado
colonialista para transgredir
em seguida em um século 20
que ainda vibra em uma necrofilia lúdica, bem ao gosto de Álvares de Azevedo, que faz Roberto Carlos soar como sucessor natural.
Às vezes longo, mas sem nunca deixar de ser surpreendente,
Arrufos mantém alta a cotação
do Grupo XIX.
ARRUFOS
Quando: sáb., às 20h; dom., às 19h; até
30/3
Onde: Vila Maria Zélia (r. Cachoeira
esq. c/ r. dos Prazeres, Catumbi, tel.
2081-4647)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo
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