São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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Crítica/cinema/"Canções de Amor"

Honoré aborda o amor pelas margens

Diretor se reapropria da linguagem do videoclipe em longa cantado, sem cair na armadilha do fantasma romântico

Divulgação
Da esq. para a dir., Clotilde Hesme, Ludivine Sagnier e Louis Garrel em cena de "Canções de Amor', do francês Christophe Honoré

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O que pode ser mais delicioso para um cinéfilo do que levar a(o) namorada(o) ainda não convertida(o) a esse estranho culto e ambos adorarem o filme por motivos que nem precisam ser os mesmos? É o que pode acontecer a muitos que se aventurarem numa sessão de "Canções de Amor", que estreou ontem. Como anuncia o título, trata-se de um filme "de amor". Dirigido por Christophe Honoré, o longa dialoga com uma tradição consolidada há décadas pelo cinema francês. E se insere na linhagem do "filme de amor movido por ligeiras libertinagens", que emerge no cinema francês com Renoir ("Um Dia no Campo"), atravessa a nou- velle vague (em Truffaut, Rohmer, Demy e Godard) e se mantém viva e questionadora depois (com Eustache e Garrel). Contudo, como abordar o assunto sem parecer anacrônico numa época em que filmes se nutrem de uma espécie de queixa sobre a impossibilidade desse sentimento? Como em seu longa anterior, "Em Paris", Honoré expande as conexões afetivas entre os personagens com a intenção evidente de não cair na armadilha do fantasma romântico. Da mesma forma que fez Cassavetes no maravilhoso "Love Streams", Honoré evita filmar de frente tanto o caso de amor quanto o seu ocaso. Sua abordagem é antes pelas margens, pelos espaços livres onde os fluxos afetivos circulam. O que o filme ganha com isso está em desfazer as associações da conexão amorosa com sua frustração ou bloqueio, o que já se converteu em mais que um clichê da contemporaneidade. No filme "Em Paris", a mortificação do amor romântico reorientava os vetores emocionais para os laços da fraternidade e da paternidade. Em "Canções", a perda se livra do peso depressivo que ainda a marcava. A morte se introduz de modo invertido a como acontece convencionalmente nos melodramas hollywoodianos. Aqui, é tratada com um sinal de leveza, na simples desaparição, no desvanecimento da figura amada. Por esses sinais de mobilidade é que o filme transita, restaurando para o banal -a canção de amor- um lugar em que ele não soa antiquado (dizer a perda, enunciar a paixão).

Música para as imagens
Além disso, o que pareceria ainda mais anacrônico -um filme cantado- nem guarda a impressão de ultrapassado, graças ao modo como Honoré se reapropria da linguagem do videoclipe para se comunicar com a contemporaneidade. O que se propõe é apenas inverter o que os clipes fizeram com as imagens (usá-las para ilustrar canções), devolvendo ao cinema um poder que ele mesmo inventou: usar músicas para dizer algo nas imagens. Portanto, os personagens cantam. Se apenas falassem, tenderíamos a achar tudo falso. Como eles cantam e estamos no cinema, acreditamos e nos identificamos sem pudores. Se alguém ainda conseguir resistir, não custa lembrar as palavras de uma das mais apaixonadas personagens do cinema, a Mathilde de Fanny Ardant em "A Mulher do Lado", de Truffaut: "Eu só ouço canções porque elas dizem a verdade. Quanto mais idiotas, mais verdadeiras elas são. Aliás, elas não são idiotas. O que elas cantam? Não me abandone... sua ausência me destruiu... sem você eu sou uma casa vazia... deixe-me ser sua sombra... ou... sem amor, ninguém é nada".

CANÇÕES DE AMOR
Produção: França, 2007
Direção: Christophe Honoré
Com: Louis Garrel, Ludivine Sagnier
Onde: em cartaz nos cines Bombril, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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