São Paulo, quinta-feira, 07 de fevereiro de 2008

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crítica

Grupo Espanca! mantém excelência na segunda peça

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Em arte, quando a consagração vem já na primeira empreitada, a segunda pode ser um pesadelo. O Grupo Espanca!, por exemplo. Tendo estourado inesperadamente com "Por Elise", no Festival de Curitiba de 2005, multipremiado pelo Brasil afora, o seu segundo espetáculo gerou uma forte expectativa: seria sorte de principiante?
O problema é que, se "Amores Surdos" fosse muito diferente do primeiro, daria a impressão de falta de projeto, de franco-atiradores em busca de fama. Esperava-se uma fábula sutil, como a primeira, com frases aparentemente ingênuas que iriam ganhando sentidos cada vez mais profundos a cada leitura. Mas, no entanto, se fosse muito parecida, diluiria o impacto inicial: o grupo estaria seguindo uma fórmula rentável.
Acontece que nada é por acaso no Espanca. Basta checar no blogger do grupo o detalhado e bem escrito diário de criação de "Por Elise" (www.porelise.blogger.com.br/2005-01-01-archive.html). Desde o primeiro ensaio, de 2005, o grupo busca em conjunto uma linguagem não necessariamente nova, mas que sirva para eles contarem o que precisam contar.
Por isso, mais do que comparar um espetáculo com o outro, é revelador comparar a atual temporada de "Amores Surdos" com a de 2006, no Sesc Pompéia. O texto nunca deixou de evoluir, as marcas se tornaram mais essenciais e precisas.
O que parecia uma referência excessiva ao universo de Ionesco (uma espécie de síntese entre "Rinoceronte" e "Amadeu ou Como se Livrar dele") tornou-se uma fábula orgânica, extremamente pessoal, combinando o pueril com o visceral -como "Por Elise".
Desta vez a direção não é mais da autora Grace Passô, mas de Rita Clemente. Com isso, o grupo ganhou uma estética um pouco diferente, com incorporação de um cenário quase realista -e um pouco desajeitado- e marcações mais abstratas. No entanto, a interpretação dos atores não deixa nunca o espetáculo se tornar hermético ou aleatório.
Assim, Paulo Azevedo, um ator de grande altura, faz o papel de "Pequeno", o frágil irmão mais novo, sem evitar o grotesco, mas sem cair no ridículo, em performance inesquecível. Passô reitera sua função materna, com a força habitual, mas dessa vez a função de narrador é feita sobretudo por Gustavo Bones, o irmão que, sonâmbulo, se dirige à platéia, em divertido truque metalingüístico.
Marcelo Castro, com um personagem menos definido (o irmão que não consegue sair de casa) e Mariana Maioline (a irmã alheia), com menos experiência de atriz, completam o elenco de grande cumplicidade em cena.
Comédia? Tragédia? Bufonaria? A dificuldade de se pôr um rótulo em "Amores Surdos" é a garantia de que muito ainda virá do Espanca!. Um conselho apenas: não se apresse em aplaudir na cena final, no escuro. O final é desnorteante.


AMORES SURDOS
Quando:
sex. e sab., às 21h30; dom., às 18h. Até 24/2
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista - espaço 12º andar (av. Paulista, 119, Bela Vista, região central, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Avaliação: bom


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