São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2010

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Crítica/ "Cinema"

Peça falha ao homenagear o cinema

Em espetáculo sem rumo e sem estilo, Felipe Hirsh perde-se entre o exagero e a representação que se quer realista

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
As atrizes Isabel Wilker (esq.) e Julia Ianina, em cena de "Cinema", montagem da Sutil Companhia, com direção de Felipe Hirsh

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O cinema é filho do teatro, mas cresceu e apareceu com as próprias pernas. "Cinema", de Felipe Hirsh, perde-se entre as pretensões de criar uma cena radical e homenagear a sétima arte. O espetáculo parte de uma boa ideia que é desperdiçada.
Colocar no palco uma centena de poltronas viradas para a plateia, como se ali, onde está o público, estivesse uma tela em que se projetassem filmes. A colaborar há o desenho de luz de Beto Bruel, ponto alto da peça, que consegue criar o efeito verossímil de um projetor.
Estão confrontadas as naturezas distintas das duas artes. Uma fundada na presença concreta de corpos, e outra, na ilusão que transforma superfícies lisas em duplos da realidade. Se já não há mais projeção de imagens, só sua sugestão, o que resta é o teatro e as potências performativas de seus agentes. Nesta situação limite, lança-se mão da banda sonora do cinema como elemento que garante um mínimo de narrativa.
É a trilha, mesclando o som de diversos filmes, que vai conduzir a imaginação dos assistentes reais detidos sobre as ações e olhares de seus pares ficcionais. Essa solução baliza todas as cenas que se alternarão com regularidade em três modos distintos de operar.
O primeiro e mais recorrente se funda em ações dos quinze atores e atrizes, sempre buscando surpreender, mas dentro de um registro realista. É uma coleção de gags mais e menos felizes, nesse terreno misto entre a representação crível e o exagero que busca o cômico.
O segundo procedimento, o mais interessante, também hesita entre o realismo e a farsa, porém se caracteriza por expressar uma contaminação dos atores pelas cenas dos filmes escutados, como se aquelas ficções se imiscuíssem neles.
O terceiro, em que os atores ficam passivos, é o mais pernóstico, pois o encenador deixa trechos de seus filmes favoritos serem ouvidos por minutos, para que os entendidos e aqueles que os captam em língua estrangeira possam fruí-los. É o caso do final de "Manhattan", de Woody Allen, ou de "Assassinato de um Bicheiro Chinês", filme de John Cassavetes.
Nada contra as preferências do Hirsh cinéfilo, mas com essas incisões ele apequena a proposta e se revela sem rumo nem estilo, como se fosse mais importante soar genial do que servir à obra. Essa fraqueza fica explícita nos três momentos em que as luzes da suposta sala de cinema se acendem. No mais provocativo, quando os atores permanecem olhando o público em silêncio por minutos, repete-se gesto de Gerald Thomas de vinte anos atrás, com menos brilho e mais afetação.
"Cinema" queria ser uma bofetada no gosto do público. Consegue ser chato, apesar de desempenhos vigorosos dos intérpretes, da linda iluminação e do cenário funcional de Daniela Thomas.


CINEMA

Quando: qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 4/7
Onde: Teatro Sesi São Paulo (av. Paulista, 1.313, Bela Vista; tel. 3146-7405)
Quanto: R$ 10 (qui. e sex.: grátis; retirar ingr. no dia, a partir das 12h).
Classificação indicativa: 14 anos
Avaliação: regular




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