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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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Exposições trazem à tona o "site specific", obras feitas a partir das características dos lugares onde estão instaladas

Arte sob medida

JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quatro exposições em cartaz em São Paulo convidam a pensar a estreita relação entre arte e espaço. São instalações que em qualquer outro lugar ganhariam configuração e sentido diversos ou, em duas delas principalmente, trabalhos de "site specific", feitos a partir das características (espaciais ou ideológicas) do local.
Com "Paisagem Sucessiva", exposição individual de Raquel Garbelotti, a Casa Triângulo despede-se do prédio da década de 20, com terraço -marca registrada da galeria- para a rua do Arouche, onde está sediada há 15 anos. Um dos trabalhos que a artista apresenta, intitulado "Imóveis", convoca a memória do espectador sobre aquele lugar.
São duas intervenções que reduzem em escala uma porta e uma janela da galeria, reconfigurando todo o espaço interno e a relação com o entorno do prédio: "O trabalho ativa o que está fora, recorta a arquitetura art déco do largo do Arouche e ativa o nosso comportamento, porque acontece de acordo com a mobilidade de quem está vendo", afirma.
As contaminações do espaço pelo trabalho são mais sutis na exposição de Rochelle Costi, que recobre a galeria com papel de parede ou cores pastel, acomodando suas fotografias -que têm a casa como tema- em um ambiente doméstico. Uma das ampliações fotográficas é feita em lona, que a artista transforma em cortina, ilusoriamente acessível.
Na mostra de Carmela Gross, uma plataforma móvel desliza sobre trilhos colocados em toda a extensão da galeria. Em movimento ou parado, o espectador participa de um jogo de espelhamento entre os painéis luminosos que escrevem a palavra "Hotel" na parede e os espelhos dispostos simetricamente na parede oposta.
Crítica em relação ao universo do consumo (a artista já tinha cutucado o sistema das artes expondo, na última Bienal de São Paulo, um luminoso "Hotel" na fachada do edifício), a instalação estabelece um diálogo com os anúncios na rua Artur Azevedo e adjacências, e com a "paisagem" urbana das esteiras e escadas rolantes.
Apesar disso, a artista não considera a obra um "site specific": "Como meu trabalho sempre lida com o espaço, a discussão de "site specific" está embutida nele, mas esta é uma instalação que poderia acontecer em outro espaço".
O crítico de arte Lorenzo Mammì faz a diferenciação: ""Site specific" refere-se ao trabalho que parte das características do espaço para ser construído; quando um local é adaptado para receber uma obra, é outra coisa". De fato, considerando que o conceito surge nos anos 60 e 70, atrelado a intervenções artísticas que modificam espaços naturais ("land art"), cabe perguntar se é possível realizar um "site specific" em uma galeria comercial.
Para o curador Ivo Mesquita, o fato de muitos artistas conceberem projetos específicos para o espaço mesmo quando vão expôr em uma galeria mostra uma tentativa de particularizar cada situação. "Diante de um sistema em que qualquer objeto, qualquer gesto artístico é passível de ser reproduzido de inúmeras maneiras, essa é uma forma de particularizar, o que pode ser muito produtivo para o trabalho", afirma.
Além disso, uma incontornável descrença em relação à ideologia do "cubo branco" (o espaço neutro em que a arte se posta em sua autonomia) faz com que toda obra se deixe contaminar pelo entorno. Levando o argumento ao limite, Mammì concorda: "Já que nenhum espaço é neutro, todo trabalho é "site specific'".
Mesquita aponta, na exposição de Rochelle Costi, uma inversão interessante do conceito: "As fotografias se referem ao "site specific" quando trazem para outro âmbito a fisicalidade da pedra enfiada na areia ou daquelas casas móveis". No limiar da documentação, as obras de Costi seriam uma espécie de atualização da "land art" (natural ou urbana).
Também na exposição "Reflexo", de Sandra Tucci, há a possibilidade de a obra existir em outro lugar, mas a configuração das peças de resina acrílica no espaço e o campo magnético que elas estabelecem são irrepetíveis. Tratam-se de peças que imitam o mecanismo de funcionamento do olho (e da máquina fotográfica) e fixam todo o entorno. Cada uma engendra, poeticamente, um site.



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