São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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Crítica/"Meu Irmão Quer se Matar"

Diretora ex-Dogma constrói filme leve

Divulgação
O ator Jamie Sives em cena de "Meu Irmão Quer se Matar"


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Dois anos depois de "Italiano para Principiantes", uma comédia realizada sob os mandamentos do Dogma 95, Lone Sherfig lançou este "Meu Irmão Quer se Matar", em que jogou no lixo as regras do Dogma, mas manteve o olhar bem-humorado sobre eventos trágicos e soturnos.
Realizado em 2002, mas só agora lançado no Brasil, o filme exercita a ironia como forma dramática, o que talvez explique o fato de a cineasta dinamarquesa tê-lo feito na Escócia. É um desejo de falar daquilo que é estrangeiro, que já se fazia ver em "Italiano para Principiantes" -pelo desejo explícito da cineasta de buscar outros sotaques, mais leves, para a frieza que costuma marcar a visão escandinava do mundo.
Um humor sutil e direto está na atitude dos personagens principais de "Meu Irmão Quer se Matar", em que um tema como o suicídio é tratado sem a solenidade esperada. Como em "Italiano para Principiantes", que girava em torno da solidão, busca-se uma forma mais leve de falar de aspectos duros da condição humana, mas procurando ao menos manter uma certa complexidade.
Além do humor que permeia quase todo o filme, a maior reviravolta da trama é provocada por uma grande ironia (ainda que trágica). Wilbur (Jamie Sives) não quer viver. É um suicida louco e cínico, e que várias vezes foi salvo da morte na última hora pelo dedicado irmão Harbour (Adrian Howlins).
Mas é Harbour, que se demonstra muito mais agarrado à vida, quem descobre que está com um câncer avançado. Entre os dois surge uma terceira personagem, Alice (Shirley Henderson, uma atriz excepcional), jovem mãe solteira freqüentadora do sebo tocado pelos irmãos. Ela vai se casar com Harbour e, mais adiante, será seduzida por Wilbur. Nenhum moralismo, nem mesmo da parte do traído Harbour, vai se abater sobre essa situação.
Sherfig está bem longe de ser uma cineasta genial, mas, entre os diretores de qualidades artesanais, destaca-se pelo esforço em construir um universo estritamente centrado em seus personagens.
Wilbur, Harbour e Alice formam um núcleo familiar unido não por laços sangüíneos, mas pela forma como encaram a vida, essencialmente marcada pela tristeza e pelo cinismo. Essa forma se traduz de maneiras diferentes em cada um: no sarcasmo de Wilbur, na renúncia de Harbour e na melancolia de Alice. Não é comum, hoje, encontrar filmes com personagens tão bem delineados, e que nas suas diferenças sejam capazes de encontrar afinidades.

MEU IRMÃO QUER SE MATAR    
Direção: Lone Sherfig
Produção: Dinamarca, Inglaterra, Suécia, França, 2002
Com: Jamie Sives, Adrian Howlins, Shirley Henderson
Quando: em cartaz no cine Belas Artes


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