São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

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SHOW

Músico que produziu trabalhos de Marisa Monte faz hoje apresentação da turnê do disco "Invoke" no Sesc Pompéia

"Contrabandista" Lindsay aporta em SP

RODRIGO MOURA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Tive uma viagem louquíssima: engarrafamento e vulcão, da Sicília para Paris." É Arto Lindsay, falando da capital francesa e com sotaque nortista, sobre um dos mais agitados momentos de sua recente turnê européia -26 dias, 22 concertos. A reportagem busca, pelo telefone e sem muito sucesso, um dos mais notórios propagandistas da música brasileira no estrangeiro: Munique, Frankfurt, Turim, Macedônia, Turquia.
O show do disco que viajou pela Europa, em clubes e teatros para até 1.000 pessoas, é o mesmo que o traz ao Brasil, para duas apresentações, hoje e amanhã, no Sesc Pompéia.
"Invoke", o álbum, fez carreira também no Japão e no habitat do músico, Nova York, e aterrissa em São Paulo com previsão de lançamento brasileiro para janeiro próximo. No palco, acompanhado por mais três músicos, Lindsay canta e toca guitarra. Dias depois da maratona européia, de seu apartamento no bairro de Chelsea, apresentou à Folha um balanço da particular fusão que tem feito, há mais de 20 anos, de música popular brasileira e vanguardismo tipicamente new yorker.
"Desde os anos 90 meu trabalho tem essa aparente brasilidade", afirma, ao mesmo tempo em que diz que a utilização destes elementos vem do DNA (sua banda seminal, parte da "no wave", o canto do cisne do movimento punk nova-iorquino, no final dos 70) e permaneceu no Ambitious Lovers (outro projeto autoral, em duo, nos 80).
"Por um acidente biográfico, cresci em duas culturas. É natural que eu continue assim", diz o norte-americano criado no Brasil e produtor contumaz de sucessos brasileiros como Marisa Monte e Caetano Veloso. "Invoke" traz referências ao rhythm and blues, à bossa nova, a Martin Luther King (na capa) e, ainda que não explícita, à melancolia pós-11 de setembro. São referenciais muito americanos e que respondem, decididamente, à perplexidade diante de um governo republicano cada vez mais questionado. "Os EUA têm que se abrir a outras culturas para suas ações externas deixarem de ser vergonhosas para quem tem passaporte americano."
Este é o mesmo ponto que o põe a repensar a música brasileira e sua recepção nos países norte-hemisféricos. "Sempre acreditei e disse que as gravadoras americanas não deveriam se apoiar sobre um artista, mas em várias investidas a partir da música brasileira."
A respeito da tropicália, movimento divisor de águas aqui e deflagrador do mais recente hype brasileiro lá (vide Mutantes), Lindsay o analisa como a descoberta de uma vocação na MPB, que o baliza, e a outros, até hoje. "Eram uns caras que queriam impulsionar a cena, mudar o que havia, a partir de uma visão muito programática, que os aproximam das vanguardas históricas. Ao mesmo tempo, entenderam Caymmi e João Gilberto. Quem faz vanguarda é porque ama a tradição. Isso me formou."
Lindsay se vê, então, como produto dessa estratégia, digamos, antropofágica, da cultura brasileira, assumindo-se como parte dela. "Eu, Carlinhos (Brown), Arnaldo (Antunes) somos pós-tropicalistas."
Em valores estéticos, coloca sua carreira em termos muito próximos, buscando conciliar "alto e baixo repertórios", "nacional e internacional", "tradicional e inovador". E reconhece que este norte está presente desde o seu berço "no waver" (a história é longa), quando se nutria de "conceitos e procedimentos de outras áreas", como as artes visuais e a performance (Vito Acconci e Cris Burden, por exemplo, mas sobretudo o escritor William Burroughs). Como legado dessa fase, está a discografia do DNA, a banda criada por ele nos palcos do lendário Maxs Kansas City, já com letras em português e um som "angular, direto, confrontativo". Nessa banda, Lindsay criou seu peculiar estilo como guitarrista. Sua atuação como instrumentista inclui ainda participações em projetos como Lounge Lizards, Golden Palominos e Dense Band.
Seria interessante, também, que essa não-onda chegasse ao público brasileiro, fazendo valer ainda mais a via de mão dupla deste, hoje quase histórico, contrabandista cultural.


ARTO LINDSAY - show na Mostra Sesc de Artes - Ares & Pensares. Quando: hoje e amanhã, às 21h. Onde: Sesc Pompéia -0teatro (r. Clélia, 93, Água Branca, tel. 3871-7700) Quanto: R$ 7 (comerciário), R$10 (usuário inscrito e estudantes) e R$ 20 (inteira).



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