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SHOW
Músico que produziu trabalhos de Marisa Monte faz hoje apresentação da turnê do disco "Invoke" no Sesc Pompéia
"Contrabandista" Lindsay aporta em SP
RODRIGO MOURA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Tive uma viagem louquíssima:
engarrafamento e vulcão, da Sicília para Paris." É Arto Lindsay, falando da capital francesa e com
sotaque nortista, sobre um dos
mais agitados momentos de sua
recente turnê européia -26 dias,
22 concertos. A reportagem busca, pelo telefone e sem muito sucesso, um dos mais notórios propagandistas da música brasileira
no estrangeiro: Munique, Frankfurt, Turim, Macedônia, Turquia.
O show do disco que viajou pela
Europa, em clubes e teatros para
até 1.000 pessoas, é o mesmo que
o traz ao Brasil, para duas apresentações, hoje e amanhã, no Sesc
Pompéia.
"Invoke", o álbum, fez carreira
também no Japão e no habitat do
músico, Nova York, e aterrissa em
São Paulo com previsão de lançamento brasileiro para janeiro próximo. No palco, acompanhado
por mais três músicos, Lindsay
canta e toca guitarra. Dias depois
da maratona européia, de seu
apartamento no bairro de Chelsea, apresentou à Folha um balanço da particular fusão que tem
feito, há mais de 20 anos, de música popular brasileira e vanguardismo tipicamente new yorker.
"Desde os anos 90 meu trabalho
tem essa aparente brasilidade",
afirma, ao mesmo tempo em que
diz que a utilização destes elementos vem do DNA (sua banda
seminal, parte da "no wave", o
canto do cisne do movimento
punk nova-iorquino, no final dos
70) e permaneceu no Ambitious
Lovers (outro projeto autoral, em
duo, nos 80).
"Por um acidente biográfico,
cresci em duas culturas. É natural
que eu continue assim", diz o norte-americano criado no Brasil e
produtor contumaz de sucessos
brasileiros como Marisa Monte e
Caetano Veloso. "Invoke" traz referências ao rhythm and blues, à
bossa nova, a Martin Luther King
(na capa) e, ainda que não explícita, à melancolia pós-11 de setembro. São referenciais muito americanos e que respondem, decididamente, à perplexidade diante de
um governo republicano cada vez
mais questionado. "Os EUA têm
que se abrir a outras culturas para
suas ações externas deixarem de
ser vergonhosas para quem tem
passaporte americano."
Este é o mesmo ponto que o põe
a repensar a música brasileira e
sua recepção nos países norte-hemisféricos. "Sempre acreditei e
disse que as gravadoras americanas não deveriam se apoiar sobre
um artista, mas em várias investidas a partir da música brasileira."
A respeito da tropicália, movimento divisor de águas aqui e deflagrador do mais recente hype
brasileiro lá (vide Mutantes),
Lindsay o analisa como a descoberta de uma vocação na MPB,
que o baliza, e a outros, até hoje.
"Eram uns caras que queriam impulsionar a cena, mudar o que havia, a partir de uma visão muito
programática, que os aproximam
das vanguardas históricas. Ao
mesmo tempo, entenderam
Caymmi e João Gilberto. Quem
faz vanguarda é porque ama a tradição. Isso me formou."
Lindsay se vê, então, como produto dessa estratégia, digamos,
antropofágica, da cultura brasileira, assumindo-se como parte dela. "Eu, Carlinhos (Brown), Arnaldo (Antunes) somos pós-tropicalistas."
Em valores estéticos, coloca sua
carreira em termos muito próximos, buscando conciliar "alto e
baixo repertórios", "nacional e internacional", "tradicional e inovador". E reconhece que este norte
está presente desde o seu berço
"no waver" (a história é longa),
quando se nutria de "conceitos e
procedimentos de outras áreas",
como as artes visuais e a performance (Vito Acconci e Cris Burden, por exemplo, mas sobretudo
o escritor William Burroughs).
Como legado dessa fase, está a
discografia do DNA, a banda criada por ele nos palcos do lendário
Maxs Kansas City, já com letras
em português e um som "angular,
direto, confrontativo". Nessa
banda, Lindsay criou seu peculiar
estilo como guitarrista. Sua atuação como instrumentista inclui
ainda participações em projetos
como Lounge Lizards, Golden Palominos e Dense Band.
Seria interessante, também, que
essa não-onda chegasse ao público brasileiro, fazendo valer ainda
mais a via de mão dupla deste, hoje quase histórico, contrabandista
cultural.
ARTO LINDSAY - show na Mostra Sesc
de Artes - Ares & Pensares. Quando: hoje
e amanhã, às 21h. Onde: Sesc Pompéia
-0teatro (r. Clélia, 93, Água Branca, tel.
3871-7700) Quanto: R$ 7 (comerciário),
R$10 (usuário inscrito e estudantes) e R$
20 (inteira).
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