|
Texto Anterior | Índice
DANÇA/CRÍTICA
Balé da Cidade reforça a multiplicidade dos sentidos
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Distinção, agilidade, relacionamento, repulsa, apreço: são marcas humanas e simbólicas nas coreografias que abrem a
temporada do Balé da Cidade, comemorando seus 35 anos. "Desatino do Norte Desatino do Sul" é
de um bailarino da casa (Jorge
Garcia) e "Zona Mina-da" é do
italiano Mauro Bigonzetti, que esteve recentemente por aqui, como
diretor do Arteballetto.
"Desatino..." tira sua força da
soma das artes: dança, vídeo (cenário), música (ao vivo), luz e figurinos. A integração entre os elementos transforma a percepção,
reforçando a multiplicidade dos
sentidos. Aqui se vê uma notável
evolução de Garcia, tanto na qualidade dos gestos como na construção cênica. Seus movimentos
expõem o corpo e a qualidade da
dança dos bailarinos.
Influências de outros coreógrafos, às vezes emprestam vigor à
dança, mas em outros pontos parecem dispensáveis; no limite,
tornam-se gratuitas, como na cena das laranjas (inspirada em Pina Bausch). É na busca de uma
linguagem própria que Garcia
reinventa de verdade o palco, com
novas maneiras de ocupação.
Numa grande tela ao fundo são
projetadas cenas humanas, traços
abstratos e "fantasmas" dos corpos que dançam. Ecoam a música, do DJ Dolores e da Orchestra
Santa Massa, que mixa elementos
sonoros variados, em tensão com
a cena. Talvez a variedade de materiais explique certa tendência a
alongar o tempo de duração da
obra, que corre o risco de se tornar repetitiva e vai perdendo sutilezas da construção. Mas não há
dúvida de que em "Desatino..."
Garcia e o Balé da Cidade dão um
passo adiante nas suas trajetórias.
Já em "Zona Mina-da", de Bigonzetti, a nostalgia de um passado recente, de "infinitas memórias e emoções", embaladas pela
voz da cantora italiana Mina, acaba presa aos maneirismos. As palavras vêm ajudar os corpos: bailarinos sussurram juntos, em cena, a música "Banho de Lua", ou
falam coisas como "Eu também
quero", ou mesmo um palavrão
em italiano. A movimentação de
grupo não tem apuro muito
maior do que essa antilírica simples; nos duos, a construção da
dança é mais instigante, mas não
o suficiente para sustentar a peça.
Com 35 anos de estrada, o Balé
mantém seu lema da DiverCidade
em Movimento. Ele se traduz numa aposta em nomes que se destacam no cenário nacional, num
investimento cada vez maior na
qualidade de formação dos elementos do grupo, e na busca de
intercâmbio com a dança internacional. A noite de estréia, sábado
passado, nos dá bons e maus motivos para comemorar essa trajetória, que segue sendo da maior
importância para a dança do país.
Desatino do Norte Desatino do
Sul e Zona Mina-da
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, região central, tel. 6846-6000)
Quando: amanhã, às 21h
Quanto: de R$ 10 a R$15
Texto Anterior: É Tudo Verdade: Alemã Leni Riefenstahl esvazia formas de significado Índice
|