UOL


São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

Texto Anterior | Índice

DANÇA/CRÍTICA

Balé da Cidade reforça a multiplicidade dos sentidos

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Distinção, agilidade, relacionamento, repulsa, apreço: são marcas humanas e simbólicas nas coreografias que abrem a temporada do Balé da Cidade, comemorando seus 35 anos. "Desatino do Norte Desatino do Sul" é de um bailarino da casa (Jorge Garcia) e "Zona Mina-da" é do italiano Mauro Bigonzetti, que esteve recentemente por aqui, como diretor do Arteballetto.
"Desatino..." tira sua força da soma das artes: dança, vídeo (cenário), música (ao vivo), luz e figurinos. A integração entre os elementos transforma a percepção, reforçando a multiplicidade dos sentidos. Aqui se vê uma notável evolução de Garcia, tanto na qualidade dos gestos como na construção cênica. Seus movimentos expõem o corpo e a qualidade da dança dos bailarinos.
Influências de outros coreógrafos, às vezes emprestam vigor à dança, mas em outros pontos parecem dispensáveis; no limite, tornam-se gratuitas, como na cena das laranjas (inspirada em Pina Bausch). É na busca de uma linguagem própria que Garcia reinventa de verdade o palco, com novas maneiras de ocupação.
Numa grande tela ao fundo são projetadas cenas humanas, traços abstratos e "fantasmas" dos corpos que dançam. Ecoam a música, do DJ Dolores e da Orchestra Santa Massa, que mixa elementos sonoros variados, em tensão com a cena. Talvez a variedade de materiais explique certa tendência a alongar o tempo de duração da obra, que corre o risco de se tornar repetitiva e vai perdendo sutilezas da construção. Mas não há dúvida de que em "Desatino..." Garcia e o Balé da Cidade dão um passo adiante nas suas trajetórias.
Já em "Zona Mina-da", de Bigonzetti, a nostalgia de um passado recente, de "infinitas memórias e emoções", embaladas pela voz da cantora italiana Mina, acaba presa aos maneirismos. As palavras vêm ajudar os corpos: bailarinos sussurram juntos, em cena, a música "Banho de Lua", ou falam coisas como "Eu também quero", ou mesmo um palavrão em italiano. A movimentação de grupo não tem apuro muito maior do que essa antilírica simples; nos duos, a construção da dança é mais instigante, mas não o suficiente para sustentar a peça.
Com 35 anos de estrada, o Balé mantém seu lema da DiverCidade em Movimento. Ele se traduz numa aposta em nomes que se destacam no cenário nacional, num investimento cada vez maior na qualidade de formação dos elementos do grupo, e na busca de intercâmbio com a dança internacional. A noite de estréia, sábado passado, nos dá bons e maus motivos para comemorar essa trajetória, que segue sendo da maior importância para a dança do país.


Desatino do Norte Desatino do Sul e Zona Mina-da  
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, região central, tel. 6846-6000)
Quando: amanhã, às 21h
Quanto: de R$ 10 a R$15



Texto Anterior: É Tudo Verdade: Alemã Leni Riefenstahl esvazia formas de significado
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.