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Crítica/teatro
Com bons atores, Celso Frateschi dirige fábula tragicômica
Em cartaz no Ágora, "A Grande Imprecação diante dos Muros da Cidade" traz Renata Zanetha como protagonista
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"O teatro irá conseguir sempre preencher-se com vida,
desde que queiramos mostrar
aos outros o que somos e não
somos ou o que queremos ser."
A afirmação de Tankred Dörst
define bem o seu próprio teatro: são fábulas deslocadas no
tempo e no espaço, possibilitando ao ator um exercíco de
reflexão junto à platéia, ao mesmo tempo política e existencial.
Em "A Grande Imprecação
diante dos Muros da Cidade"
uma mulher vem diante das
muralhas do palácio do Imperador exigir que este lhe devolva o marido, convocado para a
guerra.
Por diversão, os guardas lhe
propõem um desafio: se conseguir reconhecer seu marido em
meio as outros soldados em armadura, ele estará livre. Ela
aponta um, quase ao acaso, e ao
tentar provar que é mesmo seu
marido constrói com ele todo
um passado em comum.
Tragicômica e em tempo real,
a peça atinge uma síntese atemporal como em Beckett, e
exemplar como em Brecht: a
utopia da vida conjugal é uma
farsa social, uma estratégia de
sobrevivência, mais enternecedora do que amarga.
O diretor Celso Frateschi
soube fazer do texto um espetáculo enxuto e vigoroso, tirando
partido das limitações do espaço e da boa qualidade do elenco
que tem em mãos.
O texto, que não se pretende
mais do que um exercício de tema e variações, se dirigindo a
um público que deve se manter
atento, exige antes de tudo uma
protagonista vigorosa, que alinhava a história variando seus
tons.
Renata Zanetha é perfeita para esse papel, que já foi de Beatriz Segall, na montagem de
Gianni Ratto em 1972. Minuciosa na construção física, que
em detalhes sutis remete ao
teatro oriental, e atraindo a
simpatia do público com sua insolência feminista, Zanetha
atinge aqui um ponto alto em
sua carreira.
Ela é bem amparada pelo
contraponto cômico dos demais integrantes do elenco: Ângelo Brandini, que equilibra seu
desejo de liberdade com um patético orgulho masculino, e os
bufos soldados Heitor Goldflus
e Hermes Baroli.
O cenário de Sylvia Moreira
tanto tira partido naturalisticamente do muro real de um corredor lateral do Ágora como sabe resgatar o simbolismo do
texto: o Imperador é representado por um dourado e gigantesco peixe ornamental, cuja
leitura é reforçada por uma reprodução de Bosch na porta do
palácio: peixes vomitando peixes, no brutal jogo de quem é
mais forte.
Mas também, histórias engendrando histórias, em um
auto-elogio dos contadores de
fábulas, no orgulho de artesão
incluído na frase que abre esta
crítica. E para se encontrar um
teatro pleno de vida, o Ágora
costuma ser um bom endereço.
Sylvia Moreira assina um figurino luxuoso, com direito a
máscaras orientais, em contraste com uma cenografia minimalista, que também é de sua
autoria.
A GRANDE IMPRECAÇÃO DIANTE DOS MUROS DA CIDADE
Quando: qui. e sex., às 21h30; sáb. e
dom., às 19h; até 8/7
Onde: Ágora Teatro (r. Rui Barbosa,
672, Bela Vista, tel. 3284-0290)
Quanto: R$ 40
Avaliação: ótimo
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