São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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Crítica/"O Libertino"

Estréia de Laurence Dunmore desperdiça talentos com excessos


O ator Johnny Deep em cena de "O Libertino", longa no qual interpreta John Wilmot


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"O Libertino" é um filme que faz questão de ser feio. Caminha na direção oposta à das produções de época tradicionais, em geral consideradas "belas" porque empetecadas nos cenários, figurinos e na luz excessivamente artificial. Mas termina caindo exatamente na mesma armadilha da ostentação, agora com sinal negativo. Tome-se, por exemplo, a prótese que faz crescer o nariz de John Malkovich, ator que vive o rei Carlos 2º, da Inglaterra. Ela está lá, supostamente, para tornar o personagem mais real e verdadeiro. No entanto, Malkovich entra em cena e não há como tirar o olho daquele nariz gritantemente falso. O mesmo vale para a maquiagem que cobre o corpo do protagonista, o ator Johnny Depp, quando seu personagem, John Wilmot, está à beira da morte. Não é só. A visível opção por captar os cenários com luz natural também se torna um fator estético que chama a atenção para si o tempo todo, ainda que a imagem chegue à tela escura e granulada (ou seja, reproduzindo os clichês da "feiúra" no cinema). A preocupação em "não embelezar a imagem", que seria algo coerente com a visão do personagem central, John Wilmot -polêmico e subversivo nobre da época da restauração inglesa-, termina sendo substituída pela sujeira em excesso, o que iguala "O Libertino" a tantos outros filmes "caretas" do mesmo gênero. Esse conjunto de decisões supostamente ousadas compromete o primeiro longa de Laurence Dunmore e transformam "O Libertino" em um imenso desperdício de talentos. Pois não se trata de um filme propriamente pequeno. Uma das últimas produções dos irmãos Weinstein na Miramax, antes que essa fosse definitivamente comprada pela Disney, "O Libertino" é sujo, porém grande, espalha-se por uma tela widescreen e traz cenários gigantes, ainda que tratados com crueza. Johnny Depp, hoje reconhecidamente um dos grandes atores do cinema, entrega-se a um papel que seria perfeito para seu tipo, mas se perde nos excessos do filme, que não conseguem fazer eco aos excessos do personagem. John Wilmot viveu vida breve e intensa, marcando seu nome na história inglesa como um provocador, autor da peça mais escandalosa da época ("Soddom and the Quintessence of Debauchery"). Ele é fruto de um dos períodos mais fascinantes da história ocidental, quando a arte e a filosofia passavam por uma transformação profunda com a dramaturgia de Shakpespeare, as idéias banidas de Espinosa ou o racionalismo de John Locke. Mas nada disso aflora no filme, e a falta de humor com que o roteiro de Stephen Jeffreys (baseado em sua própria peça) trata Wilmot e as figuras que o cercam só aprofunda a sensação de engano que contorna o filme.

O LIBERTINO
  Direção: Laurence Dunmore Produção: Inglaterra, 2004 Com: Johnny Depp, Samantha Morton e John Malkovich

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