São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2006

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Crítica/música

"Nove de Frevereiro" consagra amor de Antonio Nóbrega pela arte do frevo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Os últimos minutos foram uma coisa nunca antes vista naquele teatro. Quase mil pessoas dançavam uma ciranda: os mais animados junto do palco, outros tantos pelos corredores e nas escadarias, os mais tímidos -nem eles resistiam- só balançando sem sair do lugar, nas fileiras do Sesc Pinheiros. O pessoal da Spok Frevo tocava rindo, e Antonio Nóbrega, no meio, curtia uma bem merecida e quase serena alegria.
"Nove de Frevereiro" é o nome de um espetáculo e de um disco (selo Brincante), segundo volume de um grandioso projeto dedicado ao frevo. O primeiro CD saiu no ano passado. Naquele, como nesse, Nóbrega toca em parceria com a Spok Frevo Orquestra, fabulosa banda do Recife, criada em 1996 justamente para acompanhar o violinista, cantor e bailarino, em "Na Pancada do Ganzá".
O disco novo conta também com a participação de uma galeria inteira de convidados, incluindo a Banda Mantiqueira e o Quinteto Villa-Lobos, e cantores como Elba Ramalho, Ná Ozzetti e Dominguinhos, entre muitos outros. Os volumes 1 e 2 juntos passam a ser, desde já, nossa antologia de referência do frevo, um acervo criterioso e irresistível.
Quem toca ao vivo, no espetáculo, é a Spok Frevo, junto de um pequeno grupo de outros músicos, em torno ao cantor-violinista. "Mas o que existe de comum entre o violino e o frevo?", indaga o próprio Nóbrega, repetindo o que lhe perguntam.
Resposta: "Eu". E só ele mesmo toca frevo assim na rabeca -com evidentes ganhos técnicos desde que passou a estudar com a professora búlgara Eugênia Popova.

Centenário
E por que "Nove de Frevereiro"? Porque a palavra "frevo" (corruptela de "fervo") aparece pela primeira vez num jornal de Recife no dia 9 de fevereiro de 1907. Estamos às vésperas do centenário, que o espetáculo comemora em música e dança, num roteiro variado, com direito a vídeo-cenário, adereços, máscaras e uma guirlanda de jovens cantoras.
Quando entra em cena o gigantesco, desconjuntado Otávio Bastos, ninguém imagina o que possa estar fazendo ali. Meio minuto depois, foram tantos giros e quebras no espaço, de guarda-chuva em punho, que a gente é que não sabe mais o que imaginar. Juntamente com seu duplo, Luciano Fagundes, e a dupla feminina, a mãe Rosane Almeida e a filha Maria Eugênia, mais o marido e pai solista -por consenso, um dos maiores bailarinos do país-, eles arrebatam a humanidade dançando.
Desde os tempos do Quinteto Armorial, de Ariano Suassuna, na década de 70, até hoje, foram dezenas de projetos em que Nóbrega assumiu para si uma tarefa de curador tanto quanto a de inventor de uma arte brasileira. Em outros momentos, o discurso ideológico, em defesa das raízes culturais, era explícito e inseparável do resto. Agora, parece ter sido incorporado de tal forma que nem é mais preciso explicitar: está tudo dito ali, com a convicção suprema da música e da dança, quando chegam a esse grau de realização.
A imagem final da platéia, tirada de si e embalada numa outra vida, tão livre e tão feliz, consagrava assim não só um lindo espetáculo e um grande disco. Essa felicidade consagrava também o amor profundo de um homem por sua música e sua dança, o que, nesse caso, significa também o amor profundo de um artista pelo Brasil.


NOVE DE FREVEREIRO     
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h. Últimas apresentações
Onde: Sesc Pinheiros - teatro (r. Paes Leme, 195, Pinheiros, tel. 3095-9400)
Quanto: R$ 10 a R$ 20


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