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Crítica/música
"Nove de Frevereiro" consagra amor de Antonio Nóbrega pela arte do frevo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Os últimos minutos foram uma coisa nunca
antes vista naquele
teatro. Quase mil pessoas dançavam uma ciranda: os mais
animados junto do palco, outros tantos pelos corredores e
nas escadarias, os mais tímidos
-nem eles resistiam- só balançando sem sair do lugar, nas
fileiras do Sesc Pinheiros. O
pessoal da Spok Frevo tocava
rindo, e Antonio Nóbrega, no
meio, curtia uma bem merecida e quase serena alegria.
"Nove de Frevereiro" é o nome de um espetáculo e de um
disco (selo Brincante), segundo
volume de um grandioso projeto dedicado ao frevo. O primeiro CD saiu no ano passado. Naquele, como nesse, Nóbrega toca em parceria com a Spok Frevo Orquestra, fabulosa banda
do Recife, criada em 1996 justamente para acompanhar o violinista, cantor e bailarino, em
"Na Pancada do Ganzá".
O disco novo conta também
com a participação de uma galeria inteira de convidados, incluindo a Banda Mantiqueira e
o Quinteto Villa-Lobos, e cantores como Elba Ramalho, Ná
Ozzetti e Dominguinhos, entre
muitos outros. Os volumes 1 e 2
juntos passam a ser, desde já,
nossa antologia de referência
do frevo, um acervo criterioso e
irresistível.
Quem toca ao vivo, no espetáculo, é a Spok Frevo, junto de
um pequeno grupo de outros
músicos, em torno ao cantor-violinista. "Mas o que existe de
comum entre o violino e o frevo?", indaga o próprio Nóbrega,
repetindo o que lhe perguntam.
Resposta: "Eu". E só ele mesmo
toca frevo assim na rabeca
-com evidentes ganhos técnicos desde que passou a estudar
com a professora búlgara Eugênia Popova.
Centenário
E por que "Nove de Frevereiro"? Porque a palavra "frevo"
(corruptela de "fervo") aparece
pela primeira vez num jornal
de Recife no dia 9 de fevereiro
de 1907. Estamos às vésperas
do centenário, que o espetáculo
comemora em música e dança,
num roteiro variado, com direito a vídeo-cenário, adereços,
máscaras e uma guirlanda de
jovens cantoras.
Quando entra em cena o gigantesco, desconjuntado Otávio Bastos, ninguém imagina o
que possa estar fazendo ali.
Meio minuto depois, foram
tantos giros e quebras no espaço, de guarda-chuva em punho,
que a gente é que não sabe mais
o que imaginar. Juntamente
com seu duplo, Luciano Fagundes, e a dupla feminina, a mãe
Rosane Almeida e a filha Maria
Eugênia, mais o marido e pai
solista -por consenso, um dos
maiores bailarinos do país-,
eles arrebatam a humanidade
dançando.
Desde os tempos do Quinteto
Armorial, de Ariano Suassuna,
na década de 70, até hoje, foram
dezenas de projetos em que
Nóbrega assumiu para si uma
tarefa de curador tanto quanto
a de inventor de uma arte brasileira. Em outros momentos, o
discurso ideológico, em defesa
das raízes culturais, era explícito e inseparável do resto. Agora,
parece ter sido incorporado de
tal forma que nem é mais preciso explicitar: está tudo dito ali,
com a convicção suprema da
música e da dança, quando chegam a esse grau de realização.
A imagem final da platéia, tirada de si e embalada numa outra vida, tão livre e tão feliz,
consagrava assim não só um
lindo espetáculo e um grande
disco. Essa felicidade consagrava também o amor profundo de
um homem por sua música e
sua dança, o que, nesse caso,
significa também o amor profundo de um artista pelo Brasil.
NOVE DE FREVEREIRO
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às
18h. Últimas apresentações
Onde: Sesc Pinheiros - teatro (r. Paes
Leme, 195, Pinheiros, tel. 3095-9400)
Quanto: R$ 10 a R$ 20
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