São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009

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Crítica/"Escuro"

Peça atesta talento de jovem autor

Leonardo Moreira funde as funções de dramaturgo e de encenador em "Escuro", em cartaz até sexta no Sesc Pompeia

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Os atores Flávia Melman e Otávio Dantas, em cena da peça "Escuro", que está em cartaz no teatro do Sesc Pompeia até sexta

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A compulsão por narrar é uma constante do ser humano, mas as formas de fazê-lo variam historicamente. O espetáculo "Escuro" é um fiel representante de sua época e concretiza um momento do teatro em que a cena se torna narrativa. Não serve mais um texto anterior e se constitui como uma textualidade própria, composta por todos os elementos cênicos.
Em "Escuro", há muitas vozes autorais, como se tornou habitual no que se convencionou chamar de processos colaborativos. A diferença aqui é a presença organizadora de um autor diferenciado que, com estilo, funde as funções de dramaturgo e de encenador.
Leonardo Moreira é uma revelação que já se tinha anunciado em seu espetáculo anterior, "Cachorro Morto". Se ali ele ainda adaptava um romance sobre uma criança autista, no novo trabalho ele parte das diferenças e limitações humanas, genericamente tratadas como deficiências, para propor uma fábula aberta e original sobre o que é frágil e impotente em cada um de nós.
A começar de suas próprias dúvidas, arregimenta o talento de dez atores de sua geração para explorarem o que é parco e pouco e menor em todos eles. A fauna de personagens inclui alguns com privações graves dos sentidos -surdo, surda-muda, cega-, outros com dificuldades de expressão -fanha e disléxico- e outros limitados só pelo insípido de suas vidas.
O fato de os atores emprestarem seus nomes aos personagens -e de vez ou outra narrarem os pensamentos deles entre os diálogos que travam- favorece seu desnudamento de qualquer impostação.
Tudo aconteceria no ambiente de um clube do interior durante a construção de Brasília, no fim dos anos 50. Mas essas referências espaço-temporais são apenas pretextos.
O que o belo conjunto da cenografia e iluminação de Marisa Bentivegna permite é a composição de uma série de "tableaux" móveis, que vão apresentando as situações dramáticas em diferentes perspectivas, sem ansiedade, como uma imagem fotográfica que fosse lentamente se desvelando ao espectador.
A imagem dominante é a do aquário, que aparece regular, em pequena escala, nas mãos das personagens femininas, e ampliada nos dois tanques longitudinais que evocam a piscina do clube e permitem um jogo de luzes e sombras encantador, contrastado nos seus tons de cinza pelas cores vivas dos rigorosos figurinos de época de Teodoro Cochrane.
O que aglutina mesmo todos esses materiais cênicos e corporais é a narrativa que emerge da fusão deles com as falas.
É o que se diz que confirma aquelas vidas como a de seres flutuantes, observáveis em estado líquido, ou que equaliza o que seriam os deficientes aos suficientes. Estão todos imersos na mesma água parada e é dessa consciência dos limites inexoráveis que se impõem sobre eles que advém a força poética do espetáculo.
"Escuro" marca a jovem maturidade de um talentoso narrador. Um que une os engenhos do ator e do dramaturgo às clarividências do encenador. Leonardo Moreira promete muito, e, junto com o coletivo que o acompanhou, tem o mérito de ter criado uma obra imperdível.


ESCURO

Quando: de hoje a sex., às 21h30; até 11/12
Onde: teatro Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 3871-7700)
Quanto: de R$ 4 a R$ 16
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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