São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2010

Próximo Texto | Índice

Crítica/"Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal"

Filme traz Macalé "inadequado"

Documentário sobre o compositor recorta personalidade contestadora e avessa a concessões

Divulgação
O músico carioca Jards Macalé em cena do documentário "Um Morcego na Porta Principal", que está em cartaz na cidade

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não espere de "Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal" uma cinebiografia clássica, didática, cronológica do músico carioca -como são, por exemplo, as recentes "Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei" e "Loki", sobre Arnaldo Baptista.
Em seus 67 minutos, o filme de Marco Abujamra (codirigido pelo jornalista João Pimentel) fala pouco dos grandes álbuns lançados por Macalé. Passa apenas de raspão pela essencial parceria com Waly Salomão. E praticamente ignora a participação dele, como músico e produtor, em "Transa" (1972), álbum de fim de exílio de Caetano Veloso que renderia aos dois uma briga de duas décadas.
O perfil que se constrói -desde os depoimentos do próprio personagem principal sobre as sucessivas expulsões dos colégios, na infância, até a ameaça de suicídio nos anos 1980, relatada pelo letrista Abel Silva- é a do artista que não se adequa ao sistema.
Ou, como em versos de canções dele que são repetidos no decorrer do filme, o cara que veio para "desafinar o coro dos contentes", para "nadar contra a corrente". O "maldito", enfim.
Para tudo isso, colaboram os ricos depoimentos de Maria Bethânia, Jorge Mautner, Zé Celso Martinez Corrêa, Capinam, Chacal, Hermínio Bello de Carvalho, Nelson Motta, Luiz Melodia, Nelson Pereira dos Santos, Gilberto Gil.
Este último é o único contraponto, em palavras claras, à unânime exaltação do "artista que não faz concessões" personalizado por Macalé. Gil contrasta a carreira do protagonista com a que ele próprio construiu (ele e os tropicalistas, e Elis Regina, e Nara Leão, e Bethânia). "Numa vida de diálogo, se você não faz concessão, você não existe", diz.
E, inflexível, Macalé quase não existiu mesmo, sobretudo nos anos 80 -não fosse a força de sua música manter o barco sempre em movimento.
Ela, a música, aparece no filme por meio de takes ao vivo, gravados em show no MAM. Mas também nas gravações originais -e históricas- de Gal Costa ("Vapor Barato") e Maria Bethânia (em cenas do documentário "Bethânia Bem de Perto", feito em 1966 por Júlio Bressane e Eduardo Escorel).
Em momento chave do filme, Waly Salomão declama o poema "Jet-Lagged". "Viajar para quê e para onde se a gente se torna mais infeliz quando retorna?" Herói e marginal, Macalé se permitiu todas as viagens, sem concessões. E pagou o preço por cada uma delas.


JARDS MACALÉ - UM MORCEGO NA PORTA PRINCIPAL

Direção: Marco Abujamra
Produção: Brasil, 2008
Avaliação: bom




Próximo Texto: Cinema: CCSP apresenta três ciclos a partir de hoje
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.