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CINEMA
"O Encouraçado Potemkin", "Cidadão Kane", "O Acossado" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" compõem mostra
Cinemam explora arquétipo clássico da revolução
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
De hoje até 14 de outubro, o Cinemam exibe quatro filmes revolucionários para o cinema.
A programação conta com "O
Encouraçado Potemkin" (1925),
de Sergei Eisenstein, "Cidadão
Kane" (1941), de Orson Welles,
"Acossado" (1959), de Jean-Luc
Godard, e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha, exibidos no auditório Lina
Bo Bardi, do MAM, e na PUC.
Fazendo uma leitura dialética
da "montagem paralela" criada
por D.W. Griffith ("O Nascimento de uma Nação"), Eisenstein
chegou à "montagem de oposição". Para ele, o paralelismo de
Griffith era fruto de uma concepção burguesa de mundo e de uma
visão empírica da sociedade.
Eisenstein busca despertar a
consciência e o devir revolucionários através do choque. Em "O
Encouraçado Potemkin", as oposições são múltiplas: quantitativas
(um-vários), qualitativas (água-terra), intensivas (luz-trevas) e dinâmicas (movimentos ascendentes e descendentes).
Em termos de gênero, a grande
sacada foi fazer de seu filme uma
crônica estruturada em forma de
drama, uma espécie de cinejornal
composto como uma tragédia
clássica, na forma de cinco atos.
O périplo do cinema clássico é o
de Eisenstein: o povo, personagem ideal de seus primeiros filmes, é substituído pela figura do
ditador. A alienação do povo alemão e o extermínio do povo judeu: eis por que no cinema moderno do pós-guerra o povo é "o
povo que falta".
Em sua perpétua e torturada fabulação do povo brasileiro, Glauber Rocha faz parte dessa história.
Em "Deus e o Diabo na Terra do
Sol", seguindo as pegadas do devir sertanejo de Euclydes da Cunha, ele faz dos sertões o grande
outro do projeto racional-positivista da civilização litorânea brasileira, fabulando um povo capaz
de eleger a violência como sua
manifestação cultural primeira.
Ao contrário de Eisenstein,
Glauber não nega a tradição em
favor do novo. Ele prefere transformar, em sua fabulação do "povo por vir", a potência arcaica dos
antigos mitos, a ferocidade do
misticismo, numa força/pulsão
revolucionária (é assim que Glauber substitui a suposta, e algo mítica, última fala do cangaceiro Corisco, "mais fortes são os poderes
de Deus", por "mais fortes são os
poderes do povo").
Tendo resultado nas atrocidades da Segunda Guerra, o racionalismo e os antigos ideais de verdade do cinema morreram.
O papel de Orson Welles é este:
substituindo o "homem verídico"
do primeiro cinema por uma série de falsários (shakespearianos)
e desmentindo as grandes instituições -a imprensa, neste caso-, Welles mina os valores do
american way of life, revelando-lhes a hipocrisia.
Em "Cidadão Kane", ele erige
um estrondoso edifício sobre o
vazio. Toda a sua complicada estrutura de flashbacks e sua tensão
dramático-psicológica provocada
por uma montagem de choque e
planos em profundidade de campo são construídas em torno de
um falso artifício-chave: a palavra-fetiche "rosebud", a pedra de
toque subfreudiana que mantém
o espectador na ilusão de que, ao
final, a ambiguidade do personagem vai ser solucionada.
Em seu arcabouço impalpável,
"Cidadão Kane" assinala o início
de um movimento que só se concretiza com a nouvelle vague francesa: o cinema começa a voltar-se
sobre si mesmo.
O "Acossado", de Godard, é fruto de uma geração (de "cinefilhos") que surgiu no meio do século e da história do cinema e foi a
primeira a pensar historicamente
o cinema, a se situar numa determinada genealogia.
Trata-se de uma obra esquizofrênica de uma época esquizofrênica, dirão alguns, mas de uma esquizofrenia povoada por toda a
história do cinema. Ser de possibilidades, estético-hedonista-desesperado, seu protagonista, Michel Poiccard (Belmondo), não é
guiado pelos fundamentos morais de outrora e seus atos gratuitos surgem como um correlato
(a)moral dos falsos "raccords"
que Godard impõe à montagem.
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