São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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Crítica/teatro/"Timão de Atenas"

Elenco atrapalha boa peça de Borghi

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Renato Borghi em cena de "Timão de Atenas"; peça está em cartaz na cidade até dezembro


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Timão de Atenas" anuncia um grande banquete, mas não chega a servi-lo, o que talvez seja mais uma de suas brincadeiras metalinguísticas. Poucas montagens impressionam tão bem logo no início, com o público chegando ainda: no espaço aberto e múltiplo de Simone Mina, luxuosamente endossado pela luz de Guilherme Bonfanti, grupos de atores se maquiam, outros cortam temperos, e ao som microfonado da faca que se afia, como um presságio, se juntam os músicos que aquecem os instrumentos para a trilha de Marcelo Pellegrini.
No primeiro plano, Pedro Vicente, ator-dramaturgo-pintor, produz ao vivo uma tela -a primeira de várias que serão expostas ao longo do banquete, em um mecenato real. Quando surge, enfim, Renato Borghi como o grande mecenas Timão, é impossível não evocar o grande banquete que foi a Mostra de Dramaturgia, anos atrás neste mesmo Sesi, com o mesmo Teatro Promíscuo.
A derrocada de fortuna e prestígio que espera Timão ao longo da peça torna-se inevitavelmente uma denúncia das efêmeras condições de se produzir cultura no Brasil. Shakespeare é mero pretexto? Não, pois como se repete muito em relação a sua penúltima peça, "A Tempestade", é de seu Globe Theatre que o bardo estava falando, sob a máscara da fábula, em seus últimos anos.
Menos conhecida, essa "Timão de Atenas" se presta ainda melhor para ser seu testamento, especialmente por ser inacabada. Não há tempo para a desgraça ser redimida nem para que o dramaturgo suavize o sarcasmo diante da acolhida do público de sua época -que nunca pôde ver esse seu canto do cisne. Timão, auto-exilado na floresta após ser abandonado pelos seus bajuladores, lança ao público um desconcertante apelo ao vício, que soa perigosamente atual nesses tempos pós-éticos.

Forças e fraquezas
A tradução de Vadim Nikitim é uma proeza de fluência e justeza sonora, conciliando os cacos chulos do elenco com os versos exatos que encerram os atos. No entanto, exige uma técnica apurada dos atores, e é essa a grande fraqueza da montagem. Tirando dois diretores-atores, Maurício Paroni (um inesquecível Apemanto) e Marcelo Marcus Fonseca (que dá dignidade ao fiel Flávio), que em primeiro plano mantêm o distanciamento com afiada língua, o elenco, despreparado vocalmente, se dispersa em má dicção, hesitações, vozes baixas e tropeços de texto.
O efeito final é que Shakespeare surge em cena contemporâneo, como mais um cúmplice da promiscuidade bem-humorada do elenco, mas esse perde a oportunidade de um upgrade. A expectativa inicial se frustra aos poucos em uma sem-cerimônia que esvazia a tensão e o alcance da obra.
O diretor Elcio Nogueira, pródigo de idéias e recursos, facilita a tarefa para evitar o pior, um espetáculo empolado e hermético, que traria de volta o empoeirado Shakespeare, em falsa reverência. Com Luciana Borghi, faz um eficiente arranjo de personalidades em cena, mas não tem pulso para manter o ritmo difícil, ainda mais com uma trama tão simples. Consegue um resultado simpático, marcante. Mas haveria recurso para mais.

TIMÃO DE ATENAS    
Quando: de qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 15/12
Onde: Centro Cultural Fiesp - teatro popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7405)
Quanto: R$ 15 (qui. e dom. grátis)


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