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análise
Gertrude era mesmo uma chata genial
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pessoas que se acham
geniais sempre provocam incômodo.
Gertrude Stein se achava a
melhor escritora de todos os
tempos. Não era. Mas a convicção com que acreditava
em sua genialidade é mais
uma face de sua teimosa capacidade de sempre nos colocar em xeque.
Grande parte de sua novidade está na descoberta da
potência da repetição. Se
existem os prazeres da novidade e os prazeres da redundância, Gertrude Stein inventou o casamento entre as
duas. Repetir até cansar, até
coisificar os significados. Repetir até atingir os limites da
linguagem e ultrapassar as
convenções da elegância e da
economia. Repetir frases ciclicamente, acrescentando
sempre uma nova palavra.
Um jogo que chega a cansar
em sua dificuldade, mas cuja
chatice se constitui como um
desafio. Uma "chata genial",
nas palavras de Augusto de
Campos.
Já se disse que Stein criou
o cubismo na literatura. Ensinou a ler com os olhos: "um
escritor deve escrever com
os olhos como um pintor deve pintar com os ouvidos",
dizia. Ler por todos os lados,
em todas as ordens, começando por qualquer lugar,
como numa tela de seu amigo Picasso. O texto como um
lugar, um espaço, onde cabem coisas: "as palavras ou
coisas que fazem o que eu
olhava ser aquilo mesmo
eram sempre palavras que
para mim muito exatamente
se relacionavam com aquela
coisa, a coisa que eu estava
olhando mas freqüentemente como eu digo nada a ver
com o que quaisquer palavras fariam que descrevesse
a coisa".
Sua frase mais famosa,
"uma rosa é uma rosa é uma
rosa", infelizmente caiu na
vala comum do pior tipo de
repetição, tornando-se um
estereótipo. Mas um de seus
sentidos pouco explorados é
também outro traço fundamental da criação de Gertrude: a instauração de um presente contínuo na narrativa,
o "ing" do inglês, o nosso gerúndio. É como se o objeto
em questão estivesse sempre
re-acontecendo. Uma rosa
está sendo uma rosa no momento em que é pronunciada; está sendo a palavra "rosa" e o sabor de dizê-la.
Suas peças, poemas, romances e autobiografias de
todo mundo, além do papel
que exercia como embaixatriz das vanguardas em Paris, fazem jus à frase que já
não tenho certeza se é dela,
mas que lhe cairia muito
bem: "o dever do cavalo é botar um ovo".
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