São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2008

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Lizárraga expõe obras "ditadas" para assistentes

Há 25 anos imobilizado por um derrame, artista indica desenhos, cores e camadas que devem ser aplicadas

Na exposição, sob curadoria de Lorenzo Mammì, as 36 obras estão divididas em 18 desenhos que já foram expostos e 18 telas inéditas


Divulgação
Detalhe da tela "Fronteiras' (2006), que Lizárraga expõe a partir de hoje na Vila Olímpia


SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Antonio Lizárraga pinta com braços de terceiros. Há 25 anos, sofreu um derrame que o privou de todos os movimentos, restando-lhe apenas a habilidade de falar. Seria o fim de uma carreira, se não fosse um estalo. A doença obrigou esse argentino radicado em São Paulo a criar uma nova linguagem, que deu origem à produção cujos exemplares mais recentes podem ser vistos a partir de hoje em mostra inaugurada pelo Estúdio Buck, na Vila Olímpia.
Sem se mexer, Lizárraga desenvolveu um processo criativo calculado: todas as composições são riscadas por assistentes no papel milimetrado; as cores, numeradas, são indicadas pelo artista, que diz também aos ajudantes quantas camadas de pigmento devem ser aplicadas em cada composição. Lizárraga aprova cada passo de seus assistentes ao longo do processo, mandando refazer o que for preciso.
Podem ser vistos, na mostra aberta hoje, 18 telas e 18 desenhos feitos dessa maneira. Na pintura, formas geométricas de cor intensa são justapostas em planos retangulares; os desenhos, com linhas de espessura que varia de acordo com as instruções do artista, parecem esqueletos das telas, além de reflexão sobre as possibilidades formais ao alcance de quem depende da palavra para pintar.
Nascido em 1924, Lizárraga se mudou para São Paulo em 1959, no auge dos experimentos concretistas. Embora as formas de seus quadros se aproximem dos concretos, foi nos anos 80, na chamada renascença da pintura no cenário brasileiro, que viveu seu período mais fértil, a despeito do derrame que o paralisou.
"São trabalhos muito sensuais, as cores são muito ricas, mas ele tem que pensá-los inteiramente, não há nenhum instinto, gestualidade", afirma o curador da mostra, Lorenzo Mammì. "Talvez o interesse do trabalho esteja nessa tensão entre a fisicidade muito forte e seu distanciamento."

Poesia visual
Logo depois do derrame, que temia ser o ponto final de sua carreira, Lizárraga começou a ditar poemas aos conhecidos. Eram versos ricos em imagens que ele não voltaria a desenhar, mas que puderam ganhar corpo de outra forma. "Ele cria narrativas a partir de estruturas geométricas, como se fossem palavras colocadas em série, a montagem de um verso", diz Mammì. A disciplina da métrica, então, transborda das letras para a tinta sobre tela, sem perder o lirismo.
Longe da estratégia concretista, que propunha a forma geométrica como protótipo passível de reprodução -embrião do design gráfico no Brasil-, Lizárraga criou jogos sutis de pontos e linhas no espaço para mostrar o que pensava. "São situações-limite, equilíbrios estranhos", diz Mammì. "Não se pode mexer uma vírgula, que tudo se desmancha."


ANTONIO LIZÁRRAGA
Quando:
abertura hoje, às 19h; de seg. a sex., das 11h às 19h; sáb., das 11h às 14h; até 30/4
Onde: Estúdio Buck (r. Lopes Amaral, 123; tel. 3846-4028)
Quanto: entrada franca



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