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Crítica/"Outono e Inverno"
Atores brilham em montagem sutil
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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Sérgio Britto e Denise Weinberg em cena do espetáculo em cartaz no CCBB |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
São sete e meia da noite:
Erick, sua mulher, Margreta, e as filhas, Ann e
Ewa, acabam de jantar. Encontram-se uma vez por mês, para
reabrir velhas feridas. Às nove e
meia, quando as filhas saírem,
não restará pedra sobre pedra
-até o mês seguinte.
No cardápio do dramaturgo
contemporâneo sueco Lars Norén, os mesmos ingredientes da
"Longa Jornada Noite Adentro", de Eugene O'Neill, na receita da nouvelle cuisine de Ingmar Bergman: velhos rancores sussurrados, segredos de
família expostos sem nenhum
melodrama. Embora essa cena
única vá fazendo camada por
camada a vivissecção implacável do cotidiano em tempo real,
como se observado pela janela
do prédio em frente, não se trata aqui de um naturalismo moralista e documental.
Pelo contrário: o que garante
a verossimilhança da cena é
justamente a sua estilização. Os
diálogos são entrecortados,
alusões interferem umas nas
outras, referências ao passado
ou alusões literárias ("Quando
Despertarmos Entre os Mortos" e "Humilhados e Ofendidos"), e vozes sobrepostas dão lugar a pesados silêncios, como
na vida real, mas basta uma pequena hesitação na deixa, uma
pequena variação da fala dos
atores -ou seja, a concessão ao
espontâneo, como no naturalismo- e a ilusão de realidade
se desfaz.
O realismo talvez seja assim
o gênero mais difícil de encenar, por ser essa convenção invisível -e exige um encenador preciso e sutil, como Eduardo
Tolentino, que pode dar a impressão de estar simplesmente
aderindo a uma convenção fácil, justamente quando batalha
com os atores pela perfeição de
cada detalhe. Assim, um caleidoscópio de marcas paralelas,
de distribuição de pesos, de pequenos balés gestuais marcando subtextos prende a atenção do espectador mais do que algum truque de carpintaria teatral.
Ninguém melhor então do que Eduardo Tolentino para fazer a estréia brasileira de Norén -o menos, aqui, é mais, e a
ausência de trilha sonora, deixando o ritmo inteiramente na
responsabilidade dos atores,
serve mais ao espetáculo do
que a luz excessivamente simbólica de Wilson Reiz.
Por esse pulso firme do encenador brilham os atores. Sérgio
Britto hipnotiza a platéia com uma doçura infinita, meios sorrisos, silêncios desamparados.
Suely Franco prova que pode muito mais do que ser engraçada, tirando de si uma profundidade surpreendente. Velhas
comparsas do diretor, Emilia
Rey, fazendo Ewa, a filha que
deu certo, se contém para explodir no final, enquanto que
Denise Weinberg mantém a
energia provocadora de revoltada Ann, vital para a peça não
girar em falso, embora nenhuma grande revelação seja feita.
Verdadeiro anti-Nelson Rodrigues, que devassa os avessos
da família, fantasias de incesto
em auto-destruições carinhosas, mas sem nenhuma insolência, nenhum deboche implícito, apenas com um humor
triste e conformado, Lars Norén perturba e consola ao mesmo tempo.
Não há salvação na família,
revela essa peça de duas décadas atrás, parte de uma trilogia
-e sua fase atual irá isolar o indivíduo na sociedade. Mas não
há nenhuma tragédia nisso
também. Jantares de família
são assim mesmo: cada um é a
causa e o remédio da dor do outro, como todos se lembram a
cada Natal.
OUTONO E INVERNO
Texto: Lars Norén
Direção: Eduardo Tolentino
Com: Suely Franco, Sérgio Britto, Denise Weinberg e Emilia Rey
Quando: qui. a sáb., às 19h30; dom., às
18h; até 17/12
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil
-teatro (r. Álvares Penteado, 112, centro, tel. 3113-3651)
Quanto: R$ 15
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