São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2001

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"AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT"

Peça de Fassbinder ganha leitura que privilegia o humor do texto

Montagem de Studart se impõe pela clareza

Divulgação
Deborah Secco e Denise Weinberg em cena de "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant"


SÉRGIO SALVIA COELHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As lágrimas de Petra von Kant já não comovem a platéia. Quando Celso Nunes encenou a peça de Fassbinder em 1982, numa montagem aclamada que foi um dos ápices da carreira de Fernanda Montenegro e consagrou Juliana Carneiro da Cunha, a platéia chorava junto a Petra, uma estilista famosa e sozinha, em sua busca pela redenção através do amor da vulgar Karina. Agora, na remontagem do teatro Augusta, as pessoas riem.
O grande mérito da diretora Ticiana Studart é o de impor uma outra leitura possível, além daquela que muitos consideram como definitiva. Baseando-se em uma pesquisa aprofundada junto a Alvaro de Sá, exposta em painéis no saguão do teatro, Studart não se deixa levar pela piedade e privilegia o humor e a auto-ironia presentes no texto.
Fassbinder em várias entrevistas declarou ser Petra, e não é difícil localizar também as referências reais dos outros personagens da peça (além da amante Karina, a submissa ajudante Marlene, a amiga superficial Sidônia, a filha Gabriela e a mãe, Valéria), todos, menos a mãe, homens. O jogo de inversão de sexo revela distanciamento que suaviza o "amargo" das lágrimas que Fassbinder se vê chorar apesar do auto-deboche não tê-lo poupado do suicídio.
Studart, que tem no currículo uma montagem baseada em Bukowski, constrói as personagens por esse olhar amargamente irônico. Gestos estilizados e emblemáticos fixam cada um como peças de xadrez: as mãos de Petra, os ombros de Marlene, as pernas de Karina as caracterizam no primeiro olhar. Denise Weinberg está desenvolta no "expressionismo" das marcas e passa com leveza cinematográfica pelos desejos e angústias de Petra, sem nunca se deixar tragar por eles. Sua formação realista no entanto lhe permite momentos valiosos, nos breves momentos em que sua máscara parece se desfazer. Niwa Yanagizawa se livra inteligentemente da comparação com Juliana Carneiro construindo sua Marlene como um clown de cinema mudo, um Stan Laurel de choro enternecedoramente cômico.
Quem vier para checar a beleza de Deborah Secco não perderá a viagem. Deborah constrói com eficiência o glamour vulgar de Karina, tornando verossímil que alguém se apaixone à primeira vista por ela. Se investir na carreira teatral, poderá superar sua limitação vocal e ganhar autonomia criativa, se tornando uma boa atriz.
Não ocorre no entanto, como se imaginava, a oposição entre a técnica teatral e a espontaneidade televisiva. Espontaneidade também se aprende na escola, e dessa função de arejar o ambiente se incumbe Carla Guidacci com uma segurança que a habilita para vôos maiores. A larga experiência de Suzana Faini é preciosa para humanizar a figura da mãe, curiosamente a que mais espaço tem para aprofundar sua pausas, e Márcia Duvalle é ágil na superficialidade de Sidônia.
Eficiente e bem construída, a montagem no entanto incomoda às vezes pela radicalidade de leitura. Os personagens estão sempre superexpostos, a eles são negados qualquer intimidade e sutileza: seu choro é sempre simulado, para que o outro ouça. Coerente com o universo da peça, no qual é possível ler no jornal a vida pessoal tanto de Petra como Karina, essa "Lágrimas Amargas de Petra von Kant" se impõe pela clareza, e não pela sugestão.


As Lágrimas Amargas de Petra von Kant
   
Direção: Ticiana Studart
Com: Deborah Secco, Denise Weinberg
Onde: teatro Augusta (r. Augusta, 943, Consolação, tel.3151-4141)
Quando: qui. a sáb.: 21h; dom.: 19h
Quanto: de R$ 25 a R$ 35






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