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Crítica/"O Último Bandoneón"
Documentário pode interessar aos fãs de tango, mas entedia os cinéfilos
Divulgação
| Cena de "O Último Bandoneón', documentário argentino sobre tango que está em cartaz em SP |
CRITICO DA FOLHA
Jorge Luis Borges (1899-1986), que foi um escritor imenso, mais do que
grande, achava que o tango corresponde ao lado sentimental,
quase desprezível da alma argentina. Como quase tudo nas
opiniões de Borges, isso era
controverso. Cortázar, por
exemplo, outro magnífico escritor, era fã.
Mas Borges interessa justamente por suas intervenções
heterodoxas. Ele dizia, quando
o acusavam de não ser argentino, que não devia ser mesmo,
porque "os argentinos gostam
de Paris, e eu prefiro Londres":
só com isso punha uma pá de
cal, mas com que classe, no nacionalismo.
Ele também podia ser malvado. Ao comentar um filme argentino, lembra que lhe disseram tratar-se "de um dos melhores filmes argentinos". E
completava: "portanto, um dos
piores do mundo". O tempo
passou e nos acostumamos
mesmo a entoar loas ao cinema
argentino. Esquecemos que a
produção de um país seja qual
for é, em média, muito fraca.
É dessa fraqueza que sofre
"O Último Bandoneón", documentário -em cartaz na cidade
desde a última sexta-feira- extremamente convencional do
diretor Alejandro Saderman.
Aqui, não há como comparar
com o melhor do documentário
ou do documental brasileiro.
Podemos esquecer dos que
-como Eduardo Coutinho e
Andrea Tonacci sobretudo-,
entre nós, trabalham tão intensamente esse limite entre o real
documentado e a ficção, entre
real vivido, representação,
apropriação e verdade.
Limitações
Em "O Último Bandoneón",
estamos diante da moça disposta a viver de seu bandoneón,
mesmo que para tanto tenham
de tocar em ônibus, do maestro
que recria uma orquestra de
tango, de aulas de dança, espetáculos do gênero. E entrevistas, pilhas de entrevistas.
Se do ponto de vista cinematográfico "O Último Bandoneón" tem muitos limites, a
verdade é que pode muito bem
chegar ao público que se interessa por tango em particular
ou mesmo por dança de uma
maneira geral.
Do falar portenho, das visitas
a locais típicos, às pessoas típicas, às músicas tradicionais, tudo favorece esse contato.
Não falta nem mesmo essa
crença tão latino-americana de
que, não fossem os nossos ritmos, os europeus morreriam
sem ter como externar seus
sentimentos. Esses aspectos
singelos do universo musical
estão contemplados também.
Num mundo tão regressivo
em matéria de usos e costumes,
reviver o começo do século 20
pode não ser, hoje, apenas um
prazer de sexagenários. Os fãs
do ritmo têm por que se esbaldar. Os cinéfilos não têm muito
como não se entediar.
(INÁCIO ARAUJO)
O ÚLTIMO BANDONEÓN
Produção: Argentina, 2005
Direção: Alejandro Saderman
Com: Marina Gayotto, Natalia Arroyo, Rubén Jurado e outros
Onde: em cartaz no Reserva Cultural 4 (classificação: livre)
Avaliação: ruim
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