São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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Crítica/"O Advogado do Terror"

Filme sobre defensor de terroristas mergulha na ambigüidade humana

Divulgação
Jacques Vergès em cena de 'O Advogado do Terror'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Tomemos o filme de maior sucesso de Barbet Schroeder, "O Reverso da Fortuna" (1990). Ali existem três personagens centrais: Claus von Bulow, o homem acusado de tentar matar sua mulher, a milionária Sunny, que mergulha em um coma profundo, e o advogado Alan Dershowitz, que defende Bulow sem nunca ter a convicção de sua inocência (e o liberta).
Digamos que "O Advogado do Terror", seu novo filme, é de certa forma o reverso do outro, por ao menos dois motivos. Primeiro, porque tem a forma de um documentário. Segundo, porque um advogado, Jacques Vergès, é que será o pivô da trama. Ambos, porém, mergulham no mistério de um homem para voltar de lá com o sentimento de que toda busca da verdade leva à inevitável ambiguidade.
Jacques Vergès é um francês de território ultramarino cuja mãe é vietnamita. Desde a juventude se vê possuído por um forte sentimento anticolonialista (isso se passa anos 50 do século passado). Jovem advogado, ainda durante a luta pela independência da Argélia começa a defender militantes presos pelos franceses. A mais célebre delas é Djamila Bouhared, a responsável por colocar uma bomba que matará dezenas de pessoas numa discoteca de Argel.
É o primeiro embate envolvendo a linguagem. Para os franceses, trata-se de terrorismo. Para os argelinos, de heroísmo. Mudam os personagens e circunstâncias, mas ainda hoje essa ambiguidade vigora.
Luta armada
Mas a causa argelina era tão óbvia que o próprio De Gaulle deu fim á guerra colonial. O compromisso de Vergès, no entanto, continuou. Com um talento invulgar, ele se envolverá com combatentes palestinos, alemães, iranianos, cambojanos. Dito agora parece fácil tomar partido contra a maior parte dessas organizações, por seus excessos, pelos assassinatos em massa que nada justifica, pelos equívocos políticos absurdos etc. Mas na época não era tão fácil. Não por acaso, o próprio Sartre declara, em dado momento, que a luta armada é inteiramente justificada.
Esse é o segundo momento do filme, em que a opção política no início tão clara (ser colonialista ou não ser) torna-se progressivamente mais opaca e mostra o quanto o poder dos homens sobre as circunstâncias é limitado, para não dizer nulo.
Segue-se um terceiro ato: o envolvimento de Vergès com uma rede que se forma na medida em que os movimentos políticos de esquerda enveredam por um caminho de violência pesada e quase gratuita, por vezes em associação com o terror de Estado promovido por países como, por exemplo, o Irâ.
Esse é momento em que começam a circular pelo filme tipos sinistros, do velho nazista suíço ao carrasco Klaus Barbie e, à frente de todos, Carlos, o Chacal. Algo de horrível se produz: a percepção da proximidade entre os movimentos de libertação árabes (o palestino, por certo, mas o argelino não menos) e o nazismo, entre outras (sem falar de um antisemitismo mal e porcamente disfarçado de antisionismo).
Mais do que isso, Schroeder nos mostra uma rede de significações móvel, que se forma e desforma quase como nuvens. Nela vão os homens, como numa barca que não controlam, e nela vai a figura misteriosa, complexa, de certo modo labiríntica que é Pierre Vergès. "O Advogado do Terror" é um documentário precioso.

Avaliação: ótimo


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