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Crítica/"O Advogado do Terror"
Filme sobre defensor de terroristas mergulha na ambigüidade humana
Divulgação
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Jacques Vergès em cena de 'O Advogado do Terror'
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Tomemos o filme de maior sucesso de Barbet Schroeder, "O
Reverso da Fortuna" (1990).
Ali existem três personagens centrais:
Claus von Bulow, o homem acusado
de tentar matar sua mulher, a milionária Sunny, que mergulha em um coma
profundo, e o advogado Alan Dershowitz, que defende Bulow sem nunca
ter a convicção de sua inocência (e o liberta).
Digamos que "O Advogado do Terror", seu novo filme, é de certa forma o
reverso do outro, por ao menos dois
motivos. Primeiro, porque tem a forma de um documentário. Segundo,
porque um advogado, Jacques Vergès,
é que será o pivô da trama. Ambos, porém, mergulham no mistério de um
homem para voltar de lá com o sentimento de que toda busca da verdade
leva à inevitável ambiguidade.
Jacques Vergès é um francês de território ultramarino cuja mãe é vietnamita. Desde a juventude se vê possuído por um forte sentimento anticolonialista (isso se passa anos 50 do século passado). Jovem advogado, ainda
durante a luta pela independência da
Argélia começa a defender militantes
presos pelos franceses. A mais célebre
delas é Djamila Bouhared, a responsável por colocar uma bomba que matará dezenas de pessoas numa discoteca
de Argel.
É o primeiro embate envolvendo a
linguagem. Para os franceses, trata-se
de terrorismo. Para os argelinos, de
heroísmo. Mudam os personagens e
circunstâncias, mas ainda hoje essa
ambiguidade vigora.
Luta armada
Mas a causa argelina era tão óbvia
que o próprio De Gaulle deu fim á
guerra colonial. O compromisso de
Vergès, no entanto, continuou. Com
um talento invulgar, ele se envolverá
com combatentes palestinos, alemães,
iranianos, cambojanos. Dito agora parece fácil tomar partido contra a maior
parte dessas organizações, por seus
excessos, pelos assassinatos em massa
que nada justifica, pelos equívocos políticos absurdos etc. Mas na época não
era tão fácil. Não por acaso, o próprio
Sartre declara, em dado momento,
que a luta armada é inteiramente justificada.
Esse é o segundo momento do filme,
em que a opção política no início tão
clara (ser colonialista ou não ser) torna-se progressivamente mais opaca e
mostra o quanto o poder dos homens
sobre as circunstâncias é limitado, para não dizer nulo.
Segue-se um terceiro ato: o envolvimento de Vergès com uma rede que se
forma na medida em que os movimentos políticos de esquerda enveredam
por um caminho de violência pesada e
quase gratuita, por vezes em associação com o terror de Estado promovido
por países como, por exemplo, o Irâ.
Esse é momento em que começam a
circular pelo filme tipos sinistros, do
velho nazista suíço ao carrasco Klaus
Barbie e, à frente de todos, Carlos, o
Chacal. Algo de horrível se produz: a
percepção da proximidade entre os
movimentos de libertação árabes (o
palestino, por certo, mas o argelino
não menos) e o nazismo, entre outras
(sem falar de um antisemitismo mal e
porcamente disfarçado de antisionismo).
Mais do que isso, Schroeder nos
mostra uma rede de significações móvel, que se forma e desforma quase como nuvens. Nela vão os homens, como
numa barca que não controlam, e nela
vai a figura misteriosa, complexa, de
certo modo labiríntica que é Pierre
Vergès. "O Advogado do Terror" é um
documentário precioso.
Avaliação: ótimo
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