São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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VISUAIS

Mostra traz ao Brasil obras de seis astros da arte internacional, expostas ao lado da produção nacional de ponta

Paço exibe nove ângulos da intimidade

Divulgação
Cena da videoinstalação "flex", de Chris Cunningham


JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os nove trabalhos da exposição "Intimidade" curto-circuitam noções de tempo, sanidade, autoria, identidade e até mesmo de gravidade. São, em sua maioria, videoinstalações, assinadas por artistas brasileiros e estrangeiros que configuram um panorama das atuais melhores provocações da arte contemporânea.
O inglês Chris Cunningham comparece com a obra "flex", exibida na Bienal de Veneza passada (2001), em que um homem e uma mulher encenam o mito da criação em chave pós-moderna. O artista trata de forma escultórica os corpos, que lutam violentamente e se reconciliam em meio a uma "ejaculação cósmica", nas palavras da crítica Sarah Kent.
Caberia um paralelo entre o Adão e Eva de Cunningham e os respectivos seres fundantes do cineasta alemão Tom Tykwer, no filme "Paraíso", atualmente em cartaz em SP. Do cinema vem a matéria-prima para a obra "Schizo", do suíço Christoph Draeger, que sobrepõe as notórias cenas de assassinato no "Psicose" de Hitchcock e no de Gus van Sant.
Enquanto em "flex" a noção de gravidade parece suspensa e em "Schizo" a idéia de autoria é disputada, no vídeo "Blanche Neige, Lucie", do francês Pierre Huyghe, estão em jogo os limites da identidade. Trata-se de um depoimento da dubladora da voz de Branca de Neve, que confessa ter levado 30 anos para se questionar sobre os direitos de uso de sua voz porque se confundia com a princesinha a quem insuflou vida.
O conceito de intimidade que perpassa a exposição, que tem curadoria de Daniela Bousso, não se resume, como se vê, ao clichê da privacidade e dos "reality shows". Mesmo a obra de Lucas Bambozzi ("Entre Quatro Paredes"), que tematiza mais diretamente a questão do voyerismo, é plena de sutilezas, como na busca, recorrente em seu trabalho, de impregnar objetos com a memória de pequenas existências.
Outro brasileiro na exposição, Gustavo Rezende constrói um retrato da ruptura com o status quo digno de um romance de Thomas Bernhard. Na instalação "A Natureza do Amor e a Passagem do Tempo", revisita um local de infância e, paradoxalmente, entoa uma canção de amor enquanto, tendo à mão um rato morto, simboliza desprezo pelas origens.
Sam Taylor-Wood e Pipilotti Rist, o francês Claude Lévêque e o brasileiro Marepe fecham o curto-circuito. A inglesa Taylor-Wood escancara em "Hysteria" a vizinhança entre riso e choro. A suíça Rist apropria-se de "Happiness Is a Warm Gun", dos Beatles, para assumir para si, não sem cinismo, a alienação feminina.
A exposição marca o possível fim da gestão de Daniela Bousso (1997-2002) na direção do Paço, que fincou a instituição no mapa das artes e imprimiu o perfil mais militantemente contemporâneo a um espaço expositivo da cidade.

INTIMIDADE - onde: Paço das Artes (av. da Universidade, 1, Cidade Universitária, tel. 3814-4832). Quando: hoje, às 20h; de ter. a sex., das 11h30 às 18h30; sáb. e dom., das 12h30 às 17h30; até 15/12. Quanto: entrada franca.



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