São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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Luis Melo leva ao palco "dramaturgia a oito mãos"

"O Que Eu Gostaria de Dizer" foi escrito com diretor e outros dois intérpretes

Espetáculo, visto inacabado no Festival de Curitiba, usa excertos do português Gonçalo Tavares para retratar falência de relação


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um relacionamento chega ao fim porque, segundo ela (Bianca Ramoneda) explica em carta, "tudo desencaixou" e lhe parece demasiado estreito, ao passo que ele (Marcio Vito) prefere "não ver onde vai dar o mundo", mas antes "trazer o mundo para onde quero estar". Nas tréguas do embate afetivo, um homem (Luis Melo) desfia máximas sobre solidão e amor emprestadas do escritor português Gonçalo Tavares e, vez por outra, parece comentar nas entrelinhas a crise do casal. É em torno desses dois eixos que se ergue a dramaturgia de "O Que Eu Gostaria de Dizer", que cumpre temporada paulistana depois de uma passagem pelo Rio. A primeira escala, há seis meses, foi na mostra oficial do Festival de Curitiba, ainda em versão inacabada e sob o título de "Deserto". O texto é fruto da troca de vivências e inquietações entre os atores, durante o mês e meio em que viveram sob o mesmo teto, num sítio de São Luís do Purunã (PR). O diretor Marcio Abreu -que reprisa a parceria com Melo iniciada em "Daqui a Duzentos Anos" (2005)- também participou da escrita. "De lá para cá, algumas propostas, como a do casal que está para se separar, se solidificaram. A estrutura permaneceu, mas mudou bastante o que queríamos dizer com os personagens", explica Melo. O ator acredita que a senha para uma possível identificação do público esteja na teia de desejos do trio. "São coisas que as pessoas também gostariam de dizer, mas ainda estão criando coragem, esperando o momento. Ou talvez façam a opção de não dizer, mas escrever [como a personagem de Bianca]." Melo celebra o fato de, na sala do Sesc, o espetáculo ser encenado "muito próximo ao público, respirar junto com ele" -apesar de a dramaturgia não ter caráter de depoimento direto à platéia: "Sempre procuro uma relação íntima com o público, em que eu não conte com nenhum tipo de apoio, me exponha totalmente, mostre a minha precariedade. O teatro está se distanciando cada vez mais dessa pulsão. Hoje em dia, dificilmente se conhece a voz natural dos atores. Ela está microfonada, até mesmo em ambientes pequenos".

Sem quarta parede
Mas ele vê focos de resistência a esse desfalecimento nos palcos alternativos, em que "a dificuldade de produção te aproxima do público": "Nesses espaços, se vê a cara do ator, não há a distância da luz a nos isolar. A quarta parede está sendo rompida com experimentação. A magia se dá de outra forma, no "estar brincando", no resgate da parte lúdica do teatro, que é fazer com que as coisas aconteçam ali, do nada. Isso abre um pouco a imaginação do espectador e dos próprios atores, que não têm mais o "estar escondido" atrás do personagem", observa Melo. O título "O Que Eu Gostaria de Dizer", além de antecipar o tom da carta escrita pela mulher que parte, seria também uma referência à transparência singular do fazer teatral? "O teatro sempre foi um meio de discussão daquilo que está engasgado. O ator toma o teatro como sua casa, o meio em que mostra tudo, até seu pensamento. Se o cinema causa reações fortes por meio de efeitos especiais, o teatro tem a provocação viva para fazer com que as pessoas se mexam na cadeira", compara o ator.

O QUE EU GOSTARIA DE DIZER
Quando: sex. a dom., às 20h30; até 26/10
Onde: Sesc Avenida Paulista - espaço 11º andar (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos



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