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Cinema/crítica/"Andarilho"
Filme faz espectador absorver vivência de homens errantes
Cao Guimarães vai além dos relatos ao documentar experiência de seus personagens
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Quem escolhe filme seguindo a lógica de gêneros pode tomar um
susto com "Andarilho". Classificado como "documentário", o
trabalho dirigido por Cao Guimarães é, de fato, uma experiência estética híbrida que põe
à prova a estreiteza das classificações audiovisuais vigentes.
Oriundo da videoarte e da fotografia, Guimarães agrega esses saberes ao cinema e, com isso, gera a ampliação do repertório de formas às quais nos habituamos, sobretudo quando
pensamos em documentários.
O ponto de partida do diretor
em "Andarilho" é o registro de
vivências de três caminhantes.
Para revelá-las, o filme começa
com a captura de expressões
dos protagonistas por meio de
suas falas, indicadoras de uma
marginalização na origem de
seus movimentos rumo à estrada e ao isolamento.
Essa primeira abordagem,
mais antropológica, vai se revelar, adiante, uma pista falsa. Por
mais que possa mostrar particularidades de escolhas de seus
personagens, "Andarilho" não
se detém nelas, numa espécie
de pudor em limitar seus tipos
a aspectos folclóricos ou aberrantes de suas personalidades.
Como no intenso "A Alma do
Osso", outro filme de Guimarães focado em seres isolados
ou à margem, "Andarilho" registra depoimentos só para nos
afastar com ênfase da veracidade que associamos ao ouvir alguém falar de si. O que interessa ao cineasta registrar é a experiência num sentido amplo.
Desconfiado de seus limites,
o filme se recusa a mostrar apenas relatos calcados na memória oral ou na subjetividade.
Seu modo de captar e construir
imagens nos remete a uma tradução de perspectiva, na qual o
espectador pode absorver a experiência dos personagens. É o
que se vê, por exemplo, na captação em digital, cujas possibilidades enfatizam elementos
sensoriais, expressos por meio
de dilatações da duração e por
distorções dos movimentos.
Em "Andarilho", ainda mais
que nos trabalhos anteriores e
posteriores do cineasta (e também em exercícios de outros diretores mineiros), os efeitos de
imagem estão a serviço de uma
experimentação que não se
perde em experimentalismos.
Em vez de se satisfazer com
estetizações, o que ocorre muito quando fotógrafos viram cineastas, Guimarães prefere levar ao cinema modos de olhar
que retornam ao essencial para
nos mostrar que ainda estamos
aparelhados para enxergar.
O ANDARILHO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Cao Guimarães
Onde: em cartaz no Cinesesc, às 19h20
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom
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