São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema/crítica/"Andarilho"

Filme faz espectador absorver vivência de homens errantes

Cao Guimarães vai além dos relatos ao documentar experiência de seus personagens

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quem escolhe filme seguindo a lógica de gêneros pode tomar um susto com "Andarilho". Classificado como "documentário", o trabalho dirigido por Cao Guimarães é, de fato, uma experiência estética híbrida que põe à prova a estreiteza das classificações audiovisuais vigentes. Oriundo da videoarte e da fotografia, Guimarães agrega esses saberes ao cinema e, com isso, gera a ampliação do repertório de formas às quais nos habituamos, sobretudo quando pensamos em documentários. O ponto de partida do diretor em "Andarilho" é o registro de vivências de três caminhantes. Para revelá-las, o filme começa com a captura de expressões dos protagonistas por meio de suas falas, indicadoras de uma marginalização na origem de seus movimentos rumo à estrada e ao isolamento. Essa primeira abordagem, mais antropológica, vai se revelar, adiante, uma pista falsa. Por mais que possa mostrar particularidades de escolhas de seus personagens, "Andarilho" não se detém nelas, numa espécie de pudor em limitar seus tipos a aspectos folclóricos ou aberrantes de suas personalidades. Como no intenso "A Alma do Osso", outro filme de Guimarães focado em seres isolados ou à margem, "Andarilho" registra depoimentos só para nos afastar com ênfase da veracidade que associamos ao ouvir alguém falar de si. O que interessa ao cineasta registrar é a experiência num sentido amplo. Desconfiado de seus limites, o filme se recusa a mostrar apenas relatos calcados na memória oral ou na subjetividade. Seu modo de captar e construir imagens nos remete a uma tradução de perspectiva, na qual o espectador pode absorver a experiência dos personagens. É o que se vê, por exemplo, na captação em digital, cujas possibilidades enfatizam elementos sensoriais, expressos por meio de dilatações da duração e por distorções dos movimentos. Em "Andarilho", ainda mais que nos trabalhos anteriores e posteriores do cineasta (e também em exercícios de outros diretores mineiros), os efeitos de imagem estão a serviço de uma experimentação que não se perde em experimentalismos. Em vez de se satisfazer com estetizações, o que ocorre muito quando fotógrafos viram cineastas, Guimarães prefere levar ao cinema modos de olhar que retornam ao essencial para nos mostrar que ainda estamos aparelhados para enxergar.

O ANDARILHO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Cao Guimarães
Onde: em cartaz no Cinesesc, às 19h20
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom



Texto Anterior: "Quarto Beastie Boy" toca hoje com a Nação Zumbi
Próximo Texto: Erudito pop: "Príncipe" Clayderman toca hoje
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.