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Crítica/"O Demoninho de Olhos Pretos"
Adaptação de contos de Machado de Assis peca pelo caráter quadrado
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O veterano Haroldo Marinho Barbosa, que não
assinava um longa desde "Baixo Gávea" (86), retorna
com "O Demoninho de Olhos
Pretos", narrativa que adapta
quatro dos "Contos Fluminenses" de Machado de Assis.
Produção modesta, rodada
em apenas duas semanas, usando para as cenas internas salas
da Casa de Rui Barbosa e uma
loja antiga do centro do Rio, o
que o filme tem de mais interessante é a tentativa de ampliar o significado dos contos
ao refratá-los com a situação de
personagens que os lêem em
quatro momentos distintos:
1902, 1945, 1977 e 2006.
Sugere-se, aliás, que se trata
de um mesmo exemplar do livro que passa de mão em mão
ao longo das décadas e que acaba tragado pelo mar, numa
imagem bonita.
Nos contos encenados e narrados em "off", bem como na
história particular dos vários
leitores, há sempre homens reduzidos ao desconcerto por
mulheres esquivas e enigmáticas, os tais "demoninhos de
olhos pretos" a que se refere o
título do filme. Esboços de Capitu, de certa forma.
O mérito de mostrar as narrativas de Machado como algo
vivo, que interage com os leitores em qualquer época, não
oculta as limitações do longa.
Nelson Freitas protagoniza todas as histórias com correção e
versatilidade, mas sem muito
brilho. Já o elenco secundário é
bastante irregular, quando não
francamente ruim.
Mas o problema maior é o caráter um tanto quadrado, talvez
por excesso de reverência, da
encenação dos contos. A imagem redunda com a locução em
"off", a dicção dos diálogos soa
impostada, tudo parece emanar um certo ranço acadêmico,
o que é o oposto de Machado e
certamente da intenção do diretor, que adaptou Nelson Rodrigues com mais desenvoltura, com "Engraçadinha" (1981).
De todo modo, é mais uma
porta de aproximação ao universo de nosso escritor maior e
pode servir como modesto contraponto aos excessos estetizantes da "Capitu", da Globo.
Avaliação: regular
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