São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Índice

Crítica/"O Demoninho de Olhos Pretos"

Adaptação de contos de Machado de Assis peca pelo caráter quadrado

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O veterano Haroldo Marinho Barbosa, que não assinava um longa desde "Baixo Gávea" (86), retorna com "O Demoninho de Olhos Pretos", narrativa que adapta quatro dos "Contos Fluminenses" de Machado de Assis.
Produção modesta, rodada em apenas duas semanas, usando para as cenas internas salas da Casa de Rui Barbosa e uma loja antiga do centro do Rio, o que o filme tem de mais interessante é a tentativa de ampliar o significado dos contos ao refratá-los com a situação de personagens que os lêem em quatro momentos distintos: 1902, 1945, 1977 e 2006.
Sugere-se, aliás, que se trata de um mesmo exemplar do livro que passa de mão em mão ao longo das décadas e que acaba tragado pelo mar, numa imagem bonita.
Nos contos encenados e narrados em "off", bem como na história particular dos vários leitores, há sempre homens reduzidos ao desconcerto por mulheres esquivas e enigmáticas, os tais "demoninhos de olhos pretos" a que se refere o título do filme. Esboços de Capitu, de certa forma.
O mérito de mostrar as narrativas de Machado como algo vivo, que interage com os leitores em qualquer época, não oculta as limitações do longa. Nelson Freitas protagoniza todas as histórias com correção e versatilidade, mas sem muito brilho. Já o elenco secundário é bastante irregular, quando não francamente ruim.
Mas o problema maior é o caráter um tanto quadrado, talvez por excesso de reverência, da encenação dos contos. A imagem redunda com a locução em "off", a dicção dos diálogos soa impostada, tudo parece emanar um certo ranço acadêmico, o que é o oposto de Machado e certamente da intenção do diretor, que adaptou Nelson Rodrigues com mais desenvoltura, com "Engraçadinha" (1981).
De todo modo, é mais uma porta de aproximação ao universo de nosso escritor maior e pode servir como modesto contraponto aos excessos estetizantes da "Capitu", da Globo.


Avaliação: regular


Texto Anterior: Itaú Cultural traz ótimas obras que expandem os conceitos de cinema
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.