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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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Cego desde os 15 anos, Evgen Bavcar utiliza o tato e efeitos de luz para captar imagens

Flashes da percepção

Evgen Bavcar
Auto-retrato do fotógrafo Evgen Bavcar em frente à igreja Nossa Senhora Achiropita


LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O fotógrafo Evgen Bavcar diz se sentir à vontade em São Paulo. "Esta cidade também é feita para cegos: quando pergunto onde está o santo que deu nome a ela, ninguém sabe me dizer", afirma.
Bavcar, 57, perdeu a visão depois de dois acidentes consecutivos, aos dez e aos 11 anos. Uma queda o deixou cego do olho esquerdo. Depois, uma explosão de mina de guerra feriu seu olho direito. Aos 15 anos, já não enxergava nada. Aos 16, fez sua primeira fotografia: retratou duas colegas de escola.
Pela segunda vez no Brasil neste ano, o fotógrafo esloveno naturalizado francês veio desta vez para lançar o livro "Memória do Brasil - Evgen Bavcar" e inaugurar exposições no Itaú Cultural, no Sesc São Carlos e na Fundarte, no Rio.
A convite da Folha, Bavcar fotografou na última semana alguns dos locais mais conhecidos de São Paulo. Ele registrou imagens na igreja São Paulo Apóstolo (no bairro da Mooca), na Liberdade, no Largo do Arouche, no Bexiga e na avenida Paulista.
Antes de tudo, quis fotografar são Paulo, o santo que os paulistas não sabem onde está. As imagens sacras ocupam um lugar especial no universo de Bavcar, católico de batismo. Segundo ele, são Paulo teria dito que as pessoas enxergam Deus através de um espelho. "A frase de são Paulo está materializada na cidade, que é o grande espelho de Deus", diz.
Na igreja São Paulo Apóstolo, o padre Michalak Marek aguardava Bavcar. O fotógrafo se entusiasma ao saber que o padre é polonês e vem da mesma cidade onde mora a sua prima, Vutch.
Bavcar examina minuciosamente a imagem de são Paulo com as mãos. Toca cada parte da estátua, especialmente os olhos. Emocionado, diz: "Finalmente posso vê-lo. Fantástico!". Ao tatear a cabeça da imagem, descobre uma coroa, o que o diverte. "Mas é monarquista, São Paulo".
Todas as lâmpadas da igreja estão apagadas. Bavcar usa lanternas para iluminar a imagem, algumas revestidas com papéis coloridos à mão. É assim que ele constrói a luz que incide sobre o objeto a ser fotografado.
Ele mede com passos a distância entre a câmera e o objeto. Intuitivo, direciona a máquina fotográfica sem errar o ângulo, mas quer saber, a cada foto, se o enquadramento está correto. Volta para perto do santo. Ilumina partes da estátua com a lanterna e aciona a câmera de longe, utilizando um aparelho ligado à máquina.
Bavcar pergunta à fotógrafa paulistana Juliana Bruce, sua assistente, se ela vê bem as luzes coloridas que, com as lanternas, ele faz incidir sobre o objeto.
A cor mais utilizada é o vermelho, porque, para ele, essa é a cor do Brasil. "O pau-brasil tingiu a Europa de vermelho, com seu sangue vegetal. A começar pelas roupas", justifica.
Embora prefira lugares menos iluminados para fotografar, no bairro da Liberdade Bavcar focalizou com sua máquina justamente a iluminação da rua, pois algumas lâmpadas, que imitam as luminárias japonesas, são vermelhas.
No bolso, o fotógrafo leva sempre um detector de cores que, diz, faz uma interpretação da realidade por espectrometria. O aparelho, ao ser pressionado sobre uma superfície, emite luzes e traduz a cor do objeto por meio de um som. "Eu o utilizo para saber a cor dos lábios de uma mulher", explica Bavcar, sorrindo.


EVGEN BAVCAR. Onde: Instituto Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 3268-1777). Quando: de ter. a sex., das 10h às 21h; sáb. e dom., das 10h às 19h; até 12/ 10. Quanto: entrada franca.


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